Agulha e Fio

Ana Thommen
InspiraSonho
Published in
3 min readNov 21, 2020

Durante boa parte do meu período escolar, eu acreditava que só deveria me preparar para provas. No resto do tempo, ou eu estava jogando ou perdendo tempo nas minhas redes sociais. Eu cresci na Internet, longe de parentes, com pais muito ocupados para interagir comigo.

Eu era o oposto da minha mãe nesse quesito. Ela havia feito tantos cursos e oficinas fora da escola porque a minha vó a incentivava bastante.

Um dia a minha mãe me incentivou a fazer aulas de crochet com a Dona Ivete. Eu fui até o local onde ela costumava fazer seus artesanatos e vendê-los e começamos a conversar.

O que eu, uma menina de 16 anos, estava fazendo com uma agulha, um fio e muita impaciência? A Dona Ivete fazia questão de me ensinar desde o básico mesmo, me elogiando mesmo quando não saía tão bem e rindo quando eu dizia que aquilo não era para mim. Ela dizia que bastava força de vontade para aprender.

Logo, eu fiz um cachecol (bem pequeno e estreito) para minha mãe. Eu fiquei tão orgulhosa que coloquei uma nova meta: fazer uma blusa de frio enorme para mim.

MEU DEUS, QUE SACRIFÍCIO. O crochet é uma arte um pouco ingrata. Depois de começar, não há como você parar no meio do processo. Também, desmanchar não era uma opção já que havia chegado tão longe… Crochet demanda atenção, cálculos, perseverança, noção espacial. São aqueles detalhes que pessoas acostumadas com fast fashion não percebem. São aquelas conversas jogadas fora com uma senhora que me falava muito sobre sua vida, suas escolhas e atitudes. Crochet era responsabilidade, afago, escuta.

Dona Ivete até me ajudou a fazer a escolha das cores da blusa que eu faria. Acabou que eu nunca usei a blusa de frio, porque ela tinha aberturas no braços. Mas a amizade com essa grande mulher ainda continua. Eu era uma pessoa que me considerava antissocial, não saía muito, eu só me comunicava pela Internet. De repente, eu estava me conectando com alguém, ouvindo suas perspectivas de mundo, tentando entender a vida.

As oportunidades extracurriculares não precisam envolver competição, plateia, grandes nomes de empresas ou institutos. Acho que, nesse mundo, nos esquecemos tanto que o melhor está nas coisas pequenas, nas relações próximas, nos momentos fora das redes sociais. A Dona Ivete encontrou muitas provações pela sua vida e sabia encará-las como uma mestra, porque ela possuía fé e humildade. E hoje ela não tem qualquer impedimento de se abrir e mostrar toda a sabedoria que adquiriu. É incrível quando um jovem conquista inúmeras bolsas de estudo, mas você já conversou constantemente com pessoas sábias da terceira idade? Eu, que nunca tive muito contato com meus avós, pude ter a experiência de falar com uma mulher vivida, destemida e inteligente.

No Linkedin fala-se muito sobre mentorias e networking. Não tenha medo de fazer seu networking, face-a-face, com as pessoas do seu bairro, da sua comunidade. A vida não é só bolsas e empregos. A vida pode ser SÓ a vida. Simples e complicada. Cheia de nós e de desmanches. Com acertos e arremates. Foi isso que o crochet e a Dona Ivete me ensinaram. E você? O que já aprendeu com extracurriculares inusitadas?

Escrito por: Clara Gerhardt David

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