O que eu aprendi não passando na federal

Raphaele Godinho
InspiraSonho
Published in
3 min readApr 25, 2019

“Desculpa o que eu vou falar, mas seu lugar não é aqui; você devia estar na USP”.

No dia que eu ouvi isso estava um calor gigantesco em Sorocaba — cidade onde eu estudo, a ‘Nova Iorque’ (ou Manchester, você quem sabe) do interior paulista — e eu instantaneamente tive vontade de revirar os olhos ou soltar um palavrãozinho, mas eu só dei risada pois não sabia o que responder; agora eu já sei.

“Quando o Sisu me deu dois ‘nãos’ (um na USP e um na UNIFESP) eu me senti um lixo, a pior coisa da face da Terra” (Photo by Steven Houston on Unsplash)

Pode-se dizer que quase todo estudante brasileiro quer ir pra federal — claro, excluem-se aqueles que não tem aulas a semana toda por falta de professor, que tiveram que largar a escola para trabalhar, que moram longe demais da escola, que são privados de sonhar com a universidade, cortesia que nossa pátria educadora fornece aos seus alunos — e tenta ao máximo ir pra lá. Se você se esforçar o suficiente, dá certo!

Ou não. Vou citar as razões: a)falar de meritocracia, no Brasil, não faz sentido, já que grande parte das vagas vão ser ocupadas pelos filhos dos pais mais ricos, que pagaram a vida toda as escolas mais caras e aquela velha história que todos nós já conhecemos; b)o nosso sistema de seleção não abrange todos os alunos, só aqueles que possuem habilidade de marcar os xizinhos certos nas questões certas. Em outras palavras, falar de “quem quer consegue” é só mais uma maneira de, mesmo inocentemente, massacrar os neurônios de uma legião de jovens pelo país.

Quando o Sisu me deu dois ‘nãos’ (um na USP e um na UNIFESP) eu me senti um lixo, a pior coisa da face da Terra; quando a Fuvest me deu um não maior ainda, eu me perguntei se valia a pena continuar; afinal de contas, se um sistema — que todo bendito ano seleciona centenas de milhares de alunos e não os conhece em individualidade para saber como realmente são — me diz que eu não sou boa o suficiente, quem sou eu pra contradizer?

Foi um ano longo, no qual entrei em dois cursinhos — e um deles eu pago até hoje( leiam os termos de adesão, gente, leiam os termos de adesão! )— e em menos de uma semana ganhei uma bolsa no ProUni — numa faculdade onde a mensalidade equivale ao salário que mantém minha família — e tudo voltou nos eixos; eu odiei precisar passar numa faculdade para que minha autoestima voltasse, e olha, ela ainda não voltou totalmente: tudo o que eu fiz em minha vida, todo o esforço para chegar até aqui, se anulou no instante que o sistema me disse “desculpe, moça, você marcou os xizinhos errados por isso é uma incompetente”.

Eu demorei, mas encontrei uma resposta para a frase que inicia esse texto. Meu lugar é aqui, onde eu estou, numa faculdade de interior que ainda assim, cá entre nós, tem renome; meu lugar é onde me querem e, sinto muito, a UNICAMP não me quis, a USP não me quis, a UNIFESP não me quis, mas essa faculdade — particular, pequena, de interior — me quis, e eu sou muito grata por isso. Meus avós não estudaram, meu pai parou no ensino básico e minha mãe se graduou quando eu e minha irmã já éramos crescidas. Estudar para mim é um privilégio e eu não vou perder isso.

Photo by Gaelle Marcel on Unsplash

“Sua história é boa demais para estar aqui”. Pensem em quantas histórias ‘boas demais’ são perdidas porque nosso sistema nos enxerga como números. Entendam esse texto como quiserem: desabafo ou até dor de cotovelo. Eu entendo como um conselho que ninguém me deu: você não é burro porque pintou as bolinhas certas nas questões erradas, no mínimo, você tem outro tipo de inteligência, que se a federal não valorizou, alguma outra instituição COM CERTEZA vai valorizar!

Então, na boa: se orgulhe de onde você está, seja Sisu, ProUni, Fies ou dinheiro que é fruto do seu esforço e dos seus pais; não se mutile por uma prova, faça aquilo que te faz feliz, beba água e tenha um bom 2019!

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