A escola de samba que nunca foi Escola de Samba

Fernando Saol
Instandarte
Published in
4 min readMay 16, 2019

O samba surgiu muito antes das Escolas de Samba e nem era a principal melodia do Carnaval. Não o samba como conhecemos hoje. Antigamente, Samba era todo o conjunto de músicas e danças originárias da África e trazidas pelos negros para o Brasil. O folclorista Édison Carneiro estabelece como “samba” as seguintes manifestações:

tambor de mina e de crioula do Maranhão, milindô do Piauí, o bambelô do Rio Grande do Norte, as variedades de coco de todo o nordeste, principalmente de Alagoas, o samba-de-roda e bate-baú da Bahia, o jongo do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, o partido alto e o lundu da cidade do Rio de Janeiro e o samba rural e samba de lenço de São Paulo (…)

( CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Lumiar Editora, 1996. p.19)

Mas porque o samba é tão intimamente ligado ao Rio de Janeiro? Sérgio Cabral explica assim:

(…) o Rio de Janeiro era o destino de levas de brasileiros livres e escravos, além de africanos vindos diretamente de seus países de origem, transformando a cidade numa espécie de síntese da cultura popular do país. Somando-se a tudo isso o fato de chegarem ao Rio, emprimeira mão e em maior volume, as novidades européias, incluindo-se a música, seria natural que surgissem em território carioca as primeiras manifestações brasileiras de música urbana.

( CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Lumiar Editora, 1996. p.19)

Tia Ciata foi a grande matriarca do samba

A comunidade negra carioca, localizada no do Centro da cidade, com o samba “criava mais que um gênero, uma cultural musical”. O samba era misturado aos cultos religiosos de matiz africana, para driblar a proibição imposta a essas manifestações. No começo do século XX, era na casa de Tia Ciata que o bom samba acontecia. O samba nascia nos morros do Centro e do subúrbio, mas era na casa dela, na Praça Onze, que ganhavam notoriedade.

Considerado o primeiro samba gravado, “Pelo telefone” nasceu na casa de Tia Ciata e foi um importante marco histórico.

Como define Sérgio Cabral:

o samba foi assumindo a liderança do Carnaval carioca, sem impedir, porém, que outros gêneros musicais também fossem cantados pelos foliões, como as marchinhas, os refrões de batucada.

( CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Lumiar Editora, 1996. p.33)

Porém, “Pelo Telefone” não servia para brincar o Carnaval. Na visão de jovens sambistas moradores do Estácio, “o samba (…) pouco se diferenciava do maxixe, sendo, assim, adequado para a dança de salão, mas pouco indicado para quem quisesse desfilar no carnaval”. Ismael Silva liderava os jovens sambistas do Estácio, com isso resolveu criar “um samba para movimentar os braços para frente e para trás, durante o desfile”.

Esse novo tipo de samba embalaria o Bloco Deixa Falar, criado em 1928. Apesar de nunca ter sido, é considerada a primeira Escola de Samba, pois seus sambistas eram chamados de professores do novo tipo de samba. O Deixa Falar foi responsável também por novidades na percussão, como a utilização do surdo, da cuíca e do tamborim. Instrumentos que hoje são presença garantida nas baterias das Escolas de Samba.

O Deixa Falar teve contribuição fundamental para as escolas de samba como conhecemos hoje

Apesar do início promissor, em 1931 os dirigentes do Bloco-Escola resolveram tornar a agremiação num Rancho, que na época se caracteriza com o ápice da organização dos grupos carnavalescos. O desfile não foi satisfatório e em 1933 o Deixa Falar se fundiu com o União das Cores, surgindo assim um novo Bloco, o União do Estácio de Sá. Sérgio Cabral analisa assim a contribuição do famoso Bloco:

Apesar do fim nada glorioso, o Deixa Falar contribuiu extraordinariamente para o Carnaval carioca e para a própria música popular brasileira. O título de escola de samba a que ele próprio se atribuía foi adotado pelos blocos carnavalescos que surgiam, espalhou-se pela cidade e deu início a uma nova forma de brincar carnaval.. O surdo e a cuíca, lançados por ele, tornaram-se indispensáveis na percussão do samba. O Deixa Falar deu a forma definitiva ao samba de carnaval, influenciando não só os chamados sambistas de morro como também os compositores profissionais, inclusive os mais destacados deles. Ari Barroso, por exemplo, iniciou sua carreira lançando sambas no estilo que eram feitos por Sinhô, mas aderiu imediatamente à escola de sambistas do Estácio. Os primeiros sambas de Noel Rosa já traziam a marca da música feita pelo pessoal do Deixa Falar

( CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Lumiar Editora, 1996. p.50)

O Bloco que era considerado Escola de Samba, virou Rancho e no final deu vida a um novo Bloco. Mas a semente já estava plantada. Apesar da importância histórica, encontramos poucos registros do grande Deixa Falar.

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