As filhas da Praça Onze

Fernando Saol
Instandarte
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5 min readMay 17, 2019

O surgimento das escolas de samba e a trilha sonora que arrebatou a festa: o samba de enredo!

Vimos anteriormente o surgimento da musicalidade no Carnaval, o início da organização dos foliões em desfiles, a utilização de carros alegóricos, de ferramentas cênicas, a descoberta da festa pelo grande público por meio dos Blocos e o surgimento do samba carnavalesco com o Deixa Falar. Todos esses fatores se reúnem na instituição carnavalesca de maior sucesso, a Escola de Samba.

Se existem discordâncias quanto à ascendência do samba, o mesmo não acontece com relação às Escolas de Samba. Essas foram um produto cem por cento carioca, surgido através da articulação de muitas influências negras de macumbas, candomblés e batuques, temperadas pelos encontros de grupos carnavalescos pelas ruas do Rio de Janeiro e de toda uma gama de interesses políticos, sociais e econômicos. Como narrariam Cartola e Carlos Cachaça em sua música Tempos Idos (que misturam ‘samba’ com ‘escola de samba’) estas são filhas tanto da Praça Onze, quanto dos ‘salões da sociedade’ e de ‘todo universo’

( FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval brasileiro. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004. p.329)

Na Praça Onze, as escolas de samba ganharam notoriedade

O primeiro desfile das Escolas de Samba na cidade do Rio de Janeiro foi organizado pelo jornal Mundo Sportivo em 1932, porém Escolas já eram consagradas campeãs em 1930 e 1931 em concursos similares, na Praça Onze. Apesar do sucesso do primeiro desfile organizado, o jornal Mundo Sportivo fechou. Logo o jornal O Globo assumiria a organização dos desfiles. Em 1934, o cinema já havia descoberto as Escolas, no filme Favela dos meus amores. No mesmo ano, é fundada a UES, União das Escolas de Samba, com 28 filiadas, entidade que seria responsável pela relação entre as Escolas de Samba e o poder público. As escolas já começam a se organizar. Porém, somente em 1935, as Escolas de Samba sairiam da clandestinidade, com atuação da UES. Pedro Ernesto, então prefeito do Rio de Janeiro, legaliza os desfiles das Escolas de Samba e a partir daquele ano, a sigla G.R.E.S. (Grêmio Recreativo Escola de Samba) passa a ser usada. É nessa data também que a subvenção municipal ocorre pela primeira vez:

A prefeitura liberou dois contos e quinhentos de subvenção para as escolas de samba e entregou o dinheiro para a UES, que dividiu entre as 25 escolas inscritas no desfile, que naquele ano, seria promovido pelo jornal A Nação. Em reunião na redação do jornal, quase todas as escolas concordaram com a sugesta de apresentarem o enredo ‘A vitória do Samba’, por causa da oficialização do desfile, um ato da prefeitura que foi considerado uma grande conquista dos sambistas

( CABRAL, Sérgio. As Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Lumiar Editora, 1996. p.99)

É notada, pela primeira vez, a influência do poder público nos desfiles. O primeiro Carnaval temático se repetiria mais algumas vezes até os dias de hoje. A primeira campeã oficial foi a G.R.E.S. Vai Como Pode, atual Portela. Nessa época, os Ranchos ainda eram o supra-sumo do Carnaval carioca e na medida em que as Escolas ascendiam ao posto de preferidas no coração do povo, os Ranchos desapareciam.

Considerados como o grande momento do Carnaval do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, os ranchos começavam a perder terreno para os grupos de samba a partir dos anos 1930. O esplendor das fantasias e os enredos elaborados descritos pelas roupas e pelas alegorias de mão foram, pouco a pouco, incorporados pelas escolas de samba, consideradas como expressões mais ‘verdadeiras’ da alma popular brasileira.

( FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval brasileiro. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004. p.343)

Os carnavais na Candelária garantiam belas imagens

As Escolas de Samba pegaram o que cada instituição carnavalesca anterior tinha de melhor e com isso ganhavam cada vez mais espaço na festa. Festa que já ganhava contornos de maior do mundo. Felipe Ferreira fala sobre esse processo de formação das Escolas de samba:

A transformação visual que as escolas começariam a sofrer a partir da década de 1930, ao incorporarem, pouco a pouco, os principais elementos das outras formas de brincadeira carnavalesca que coexistiam nos mesmos bairros das escolas de samba, e a divulgação maciça das músicas ‘de carnaval’ através do rádio, meio de comunicação que se difundia rapidamente pelo país , serão poderosos elementos na formatação e na imposição nacional e internacional da nova folia brasileira. A música Brasil pandeiro, composta por Assis Valente em 1940, iria coroar esse movimento através da associação poderosa da imagem do país com o instrumento símbolo do samba. ‘Chegou a hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor’, começava o samba, para terminar incentivando o Brasil a esquentar seus pandeiros, iluminar seus terreiros ‘que nós queremos sambar’. Todo o país e não mais somente o Rio de Janeiro, tornava-se território do samba. Estavam abertas as portas para que o carnaval brasileiro, através de sua face carioca, se tornasse definitivamente internacional. A maior festa do mundo seria, cada vez mais, a maior festa do samba.

( FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval brasileiro. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004. p.348)

A Avenida Presidente Vargas em 1976, com arquibancadas temporárias armadas para as desfiles

As Escolas de Samba já demonstravam sinal de assumir a ponta hierárquica do Carnaval carioca, com um curioso fenômeno: se antes, os foliões eram participantes das instituições carnavalescas anteriores, agora seriam torcedores. O Carnaval carioca começaria a despertar paixões e os desfiles se tornariam únicos, justamente também, por causa dos seus desfilantes. Essa popularidade ganha força com o rádio, mania nacional na década de 1930.

“maior difusor das músicas carnavalescas que começam a atingir um grande público ávido de novidades. O samba e a marchinha (…) passavam a dominar as ruas e salões do Carnaval brasileiro”.

( FERREIRA, Felipe. O Livro de Ouro do Carnaval brasileiro. Rio de Janeiro, Ediouro, 2004. p.348)

A trilha sonora das Escolas de Samba é o samba-de-enredo. E para nós, o samba-de-enredo que melhor retrata a história das escolas é “BUM BUM, PRATICUMBUM, PRUGURUNDUM”, do Império Serrano de 1982. Enredo esse que foi o último conquistado pelo Reizinho de Madureira.

A melhor introdução de Cavaquinho de todo o universo

Vale ressaltar que ocorreram concursos nos anos anteriores à disputa de 1932, porém, não se enquadrariam nas atuais disputas por se tratarem de Grupos de Samba que representavam comunidades. Alguns autores reconhecem como Escolas de Samba, mas ficaremos com a posição de Haroldo Costa, onde se leva em conta quesitos como bateria, samba e fantasias para a disputa de Escolas de Samba.

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