A Celebração e a Doutrina da Eucaristia

Philip Schaff

Absalão Marques
Instituto Aletheia
19 min readJun 26, 2020

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A Adoração do Cordeiro Místico, Van Eyck

A CELEBRAÇÃO DA EUCARISTIA

A celebração da Eucaristia ou da santa comunhão com orações apropriadas dos fiéis era a culminância do culto cristão. [1] Justino Mártir nos dá a seguinte descrição, que ainda reflete a simplicidade primitiva: [2]

“Depois das orações [do culto dos catecúmenos], saudamo-nos uns aos outros com o ósculo fraternal. Em seguida, um pão e um cálice com água e vinho são entregues ao celebrante (bispo) dos irmãos. Ele os recebe, e rende louvor, glória e graças ao Pai de todos, mediante o nome do Filho e do Espírito Santo, por estas suas dádivas. Quando ele encerra as orações e a ação de graças, toda a congregação responde: ‘Amém’; porquanto ‘Amém’ na língua hebraica significa: ‘Assim seja’. Depois, os diáconos, assim chamados por nós, dão a cada um dos que estão presentes uma parte do bendito pão [3] e do vinho misturado com água, e leva-a aos ausentes em suas moradias. Esse alimento chama-se para nós a eucaristia, do qual ninguém pode participar senão os crentes e batizados, que vivem segundo os mandamentos de Cristo. Pois nós os usamos não como comida comum e bebida comum; antes, tal como Jesus Cristo, nosso Redentor, se fez carne por meio da palavra de Deus, assumindo para si carne e sangue para a nossa redenção, assim somos ensinados que o alimento abençoado pela palavra de oração, pelo qual a nossa carne e o nosso sangue são alimentados por transformação (assimilação), é a carne e o sangue do Jesus encarnado”.

Em seguida, ele relata a instituição a partir dos Evangelhos, e menciona as costumeiras coletas para os pobres.

Não nos é justificado remeter a este período o culto litúrgico completo que encontramos predominando com impressionante uniformidade nas coisas essenciais, se bem que com muitas variações nos pontos menores, em todos os cantos da igreja na era nicena. Certa simplicidade e liberdade caracterizavam o período em questão. Mesmo a chamada liturgia clementina, no oitavo livro das Constituições Pseudo-Apostólicas, provavelmente não era composta e registrada desta forma antes do século IV. Não há qualquer vestígio de liturgias escritas durante a perseguição diocleciana. Contudo, os germes datam do século II. As orações eucarísticas mais antigas têm sido reveladas recentemente na Didaquê, que contém três ações de graças pelo cálice, pelo pão partido e por todas as misericórdias (caps. 9 e 10).

Das declarações espalhadas dos Pais pré-nicenos, podemos coletar a seguinte visão de como a cerimônia eucarística pode ter sido em meados do século III, se não antes.

A comunhão era a parte regular e mais solene do culto dominical; ou era o culto a Deus no sentido mais estrito, do qual ninguém senão os membros plenos da igreja podiam participar. Em muitos lugares, e por muitos cristãos, era celebrada até diariamente, depois do precedente apostólico, e conforme a própria interpretação mística comum da quarta petição da Oração do Senhor. [4] A cerimônia começava, após a dispensa dos catecúmenos, com o beijo da paz, dado pelos homens aos homens, e pelas mulheres às mulheres, em sinal de mútuo reconhecimento como membros de uma só família redimida no meio de um mundo cruel e desamoroso. Era baseada no precedente apostólico, e é característica da simplicidade pueril, e do amor e alegria dos primeiros cristãos. [5] A cerimônia propriamente dita consistia em dois atos principais: a oblação [6] ou a apresentação das ofertas da congregação pelos diáconos para a própria ordenança e para o benefício do clero e dos pobres; e a comunhão ou a participação dos elementos consagrados. Na oblação, a congregação, à uma, apresentava-se a si mesma como uma oferta viva de ação de graças; ao passo que, na comunhão, apropriava-se de novo em fé do sacrifício de Cristo, unindo-se de novo com a sua Cabeça. Ambos os atos eram acompanhados e consagrados pela oração e por cânticos de louvor.

Nas orações, precisamos diferenciar, primeiro, a ação de graças geral (a eucaristia no sentido mais estrito da palavra) por todas as dádivas naturais e sobrenaturais de Deus, comumente encerrando com o hino seráfico de Is 6.3; em segundo lugar, a oração de consagração ou a invocação do Espírito Santo [7] sobre o povo e sobre os elementos, geralmente acompanhada da recitação das palavras da instituição e da Oração do Senhor; e, finalmente, as intercessões gerais por todas as classes, especialmente pelos crentes, em razão do sacrifício de Cristo na cruz pela salvação do mundo. A duração e a ordem das orações, porém, não eram uniformes, nem mesmo a posição da Oração do Senhor, que algumas vezes tomava o lugar da oração de consagração, sendo reservada para a parte proeminente da cerimônia. O Papa Gregório I diz que “era costume dos Apóstolos consagrar a oblação apenas pela Oração do Senhor”. A congregação respondia de tempos em tempos, segundo o costume judaico antigo e o costume apostólico, com um “Amém” audível ou com “Kyrie eleison”. O “Sursum corda”, também, como um incentivo à devoção, com a resposta “Habemus ad Dominum”, surge pelo menos antes do tempo de Cipriano, que lhe faz alusão explicitamente, e em todas as liturgias antigas. As orações eram proferidas, não lidas de um livro. Mas a oração extemporânea naturalmente assume uma fórmula fixa pela constante repetição.

Os elementos eram pão comum ou levedado [8] (exceto entre os ebionitas, que, como a posterior Igreja Romana do século VII, usavam pão ázimo) e vinho misturado com água. Essa mistura era um costume geral na antiguidade, mas agora passava a ter vários sentidos místicos atribuídos a ele. Os elementos eram colocados nas mãos (não na boca) de cada comungante pelo clero que estava presente, ou, segundo Justino, somente pelos diáconos, em meio ao canto dos salmos pela congregação (Salmo 34), com as palavras: “O corpo de Cristo”; “O sangue de Cristo, o cálice da vida”; para cada um dos quais o receptor respondia “Amém”. [9] Toda a congregação assim recebia os elementos, de pé durante o ato. [10] A ação de graças e a bênção encerravam a celebração.

A Scottish Sacrament, Henry John Dobson

Depois do culto público, os diáconos levavam os elementos consagrados para os doentes e para os professantes em prisão. Muitos levavam consigo porções do pão para casa, para usar em família na oração da manhã. Essa comunhão doméstica era praticada particularmente no Norte da África, e fornece o primeiro exemplo de uma communio sub una specie. Na mesma região, no tempo de Cipriano, encontramos o costume da comunhão infantil (administrada somente com vinho), que era justificada por João 6.53, e continuou na Igreja Grega (e Russa) até hoje, conquanto irreconciliável com a requisição do apóstolo de um exame preparatório (1Co 11.28).

No princípio, a comunhão era combinada com uma festa de amor, e era, então, celebrada à noite, em memória da última ceia de Jesus com os seus discípulos. Todavia, antes do início do século II, essas duas práticas estavam separadas, a comunhão situando-se pela manhã e a festa de amor, à noite, exceto em certos dias de observância especial. [11]

Tertuliano dá uma descrição detalhada do Ágape em refutação das descaradas calúnias dos pagãos. [12] Mas o crescimento das igrejas e o surgimento de múltiplos abusos levaram ao desuso gradativo, e, no século IV, até à proibição formal do Ágape, que dizia respeito, na verdade, à infância e ao primeiro amor da Igreja. Era uma festa de família, onde ricos e pobres, e senhores e escravos, encontravam-se na mesma posição, participando de uma simples refeição, ouvindo relatos de congregações distantes, contribuindo para as necessidades de irmãos em sofrimento, e encorajando uns aos outros em seus deveres e dissabores diários. Agostinho descreve sua mãe, Mônica, indo a essas festas com uma cesta cheia de provisões, distribuindo-as.

A cerimônia da comunhão tem passado por muitas mudanças no decorrer do tempo, mas ainda sobrevive substancialmente com toda a sua vitalidade e solenidade primitiva em todas as igrejas da cristandade — um perpétuo memorial do sacrifício expiatório e do amor salvífico de Cristo pela raça humana. O Batismo e a Ceia do Senhor são instituições que proclamam dia a dia o Cristo histórico, e jamais podem ser suplantadas por artifícios da engenhosidade e sabedoria humana.

A DOUTRINA DA EUCARISTIA

LITERATURA

Ver as obras citadas, vol. I, 472, por Waterland (episcopal, † 1740), Döllinger (católico romano., 1826; desde 1870 católico antigo.), Ebrard (calvinista, 1845), Nevin (calvinista, 1846), Kahnis (luterano, 1851, mas mudou sua visão em sua Dogmatik), E. B. Pusey (alto anglicano, 1855), Rückert (racionalista, 1856), Vogan (alto anglicano, 1871), Harrison (anglicano evangélico, 1871), Stanley (Igreja Anglicana Ampla., 1881), Gude (luterano, 1887).

Sobre a doutrina eucarística de Inácio, Justino, Irineu e Tertuliano, há também tratados específicos escritos por Thiersch (1841), Semisch (1842), Engelhardt (1842), Baur (1839 e 1857), Steitz (1864), e outros.

Höfling: Die Lehre der ältesten Kirche vom Opfer im Leben und Cultus der Christen. Erlangen, 1851.

Dean Stanley: The Eucharistic Sacrifice. Em “Christian Institutions” (N. Y. 1881) p. 73, ss.

A doutrina concernente ao sacramento da Ceia do Senhor, como não entrasse em uma discussão específica, permanecia indefinida e obscura. A igreja antiga mais fazia caso da digna participação da ordenança do que da apreensão lógica da mesma. Ela a considerava o mais santo mistério do culto cristão, e, em vista disso, celebrava-a com a mais profunda devoção, sem perscrutar o modo da presença de Cristo ou a relação dos sinais sensíveis com sua carne e seu sangue. É a-histórico remeter qualquer uma das teorias posteriores a esta era; conquanto isso tenha sido feito na discussão apologética e polêmica desse tópico.

A EUCARISTIA COMO SACRAMENTO

A Didaquê dos Apóstolos contém orações eucarísticas, mas não qualquer teoria da eucaristia. Inácio fala deste sacramento em duas passagens, apenas à guisa de alusão, mas em termos muitos fortes e místicos, chamando-o de carne do nosso Senhor Jesus Cristo crucificado e ressurreto, e ao pão consagrado, um remédio de imortalidade e um antídoto da morte espiritual. [13] Essa visão, estreitamente ligada à sua tendência ritualista em geral [14], envolve decerto a crença na presença real, e atribui à Santa Ceia um efeito ao mesmo teempo sobre o corpo e o espírito, com referência à ressurreição futura, mas ainda é um tanto quanto obscura, sendo mais uma expressão de sentimento elevado do que uma definição lógica.

O mesmo pode-se dizer de Justino Mártir, quando compara a descida de Cristo aos elementos consagrados com sua encarnação para a nossa redenção. [15]

Irineu diz repetidamente, ao combater o docetismo gnóstico, [16] que o pão e o vinho no sacramento se tornam, pela presença da Palavra de Deus e pelo poder do Espírito Santo, o corpo e o sangue de Cristo, e que seu recebimento fortalece a alma e o corpo (o germe do corpo da ressurreição) até à vida eterna. Todavia, isso dificilmente justificaria que atribuíssemos, quer transubstanciação, quer consubstanciação, a Irineu. Pois, em outro lugar, ele chama o pão e o vinho, após a consagração, de “antítipos”, implicando a distinção contínua entre a substância deles e o corpo e o sangue de Cristo. [17] Essa expressão em si, com efeito, pode ser compreendida como meramente contrastando, aqui, a Ceia, como a substância, com a páscoa do Antigo Testamento, seu tipo; assim como Pedro chama o batismo de antítipo da água salvadora do dilúvio. [18] Mas a conexão e o usus loquendi dos Pais gregos mais antigos demandam que nós assumamos o termo antítipo no sentido do tipo, ou, mais precisamente, como a antítese do arquétipo. O pão e o vinho representam e manifestam o corpo e o sangue de Cristo como um arquétipo, correspondendo-lhes, como a cópia ao original. No mesmíssimo sentido, é dito em Hb 9.24 — cf. 8.5 — que o santuário terreno é o antítipo, que é a cópia, do arquétipo celeste. Outros Pais gregos, também, até o século V, e especialmente o autor das Constituições Apostólicas, chama os elementos consagrados de “antítipos” (algumas vezes, como Teodoreto, “tipos”) do corpo e do sangue de Cristo. [19]

Holy Eucharist II, Nicolas Poussin

Uma visão diferente, acercando-se mais da calvinista ou reformada, nós encontramos entre os Pais africanos. Tertuliano torna as palavras da instituição: Hoc est corpus meum, equivalente a: figura corporis mei, para provar, em oposição ao docetismo de Marcião, a realidade do corpo de Jesus — um mero fantasma não sendo capaz de representação emblemática alguma. [20] Isso envolve, para todos os efeitos, uma distinção essencial entre os elementos consagrados e o corpo e o sangue de Cristo na Ceia. Entretanto, não se deve entender que Tertuliano estivesse ensinando uma presença meramente simbólica de Cristo; porquanto, em outros lugares, ele fala, conforme o seu pendor realista geral, numa linguagem quase que materialista, de um comer do corpo de Cristo, estendendo a participação até ao corpo do receptor. [21] Cipriano semelhantemente parece favorecer uma interpretação simbólica das palavras da instituição, se bem que não tão claramente. A ideia da presença real ter-se-ia adequado muito mais à sua concepção sacerdotal do ministério. Na mistura costumeira do vinho com a água, ele vê um tipo da união de Cristo com sua Igreja, [22] e, com o respaldo de João 6.53, considera a comunhão da Ceia indispensável para a salvação. A ideia de um sacrifício sobressai mui distintamente em Cipriano.

Os alexandrinos são, nesse ponto, como sempre, visivelmente espiritualistas. Clemente por duas vezes chama explicitamente o vinho de símbolo ou alegoria do corpo de Cristo, e diz que o comungante recebe não o sangue e a vida físicos, mas espirituais de Cristo; uma vez que, de fato, o sangue é a vida do corpo. Orígenes distingue ainda mais definidamente os elementos terrenos do pão celeste da vida, tornando todo o propósito da ceia a alimentação da alma com a palavra divina. [23] Aplicando aqui seu débil método alegórico, ele faz o pão representar o Antigo Testamento, o vinho o Novo, e o partir do pão a multiplicação da palavra divina! Mas essas eram mais visões privadas para os iniciados, mal podendo ser consideradas representantes da doutrina da igreja alexandrina.

Temos, portanto, entre os Pais pré-nicenos, três visões diferentes, uma oriental, uma norte-africana e uma alexandrina. A primeira visão, a de Inácio e Irineu, vai mais estreitamente ao encontro do caráter místico da celebração da eucaristia e das características catolicizantes da era.

A EUCARISTIA COMO SACRIFÍCIO

Esse ponto é muito importante em relação à doutrina, e ainda mais importante em relação ao cultus [24] e à vida da igreja antiga. A Ceia do Senhor era universalmente considerada não apenas um sacramento, mas também um sacrifício, [25] o verdadeiro e eterno sacrifício da nova aliança, suplantando todos os sacrifícios provisórios e tipológicos da antiga; assumindo o lugar particularmente da páscoa ou a festa da redenção tipológica do Egito. Esse sacrifício eucarístico, porém, era concebido pelos Pais pré-nicenos não como sendo uma repetição incruenta do sacrifício expiatório de Cristo na cruz, mas simplesmente como uma comemoração e uma apropriação renovada dessa expiação, e, sobretudo, uma ação de graças de toda a igreja por todos os benefícios de Deus na criação e redenção. Daí o próprio nome corrente — eucaristia; que denotava, primeiramente, a oração de ação de graças, mas, mais tarde, todo o rito. [26]

Os elementos consagrados eram considerados sob uma dupla perspectiva, como representando, à uma, as dádivas naturais e sobrenaturais de Deus, que culminaram no autossacrifício de Cristo na cruz. Por isso a oração eucarística, como a que estava ligada à páscoa, relacionava-se ao mesmo tempo com a criação e a redenção, que se combinavam ainda mais estreitamente na mente da igreja em virtude da separação dualista delas pelos gnósticos. As dádivas terrenas do pão e do vinho eram vistas como tipos e penhores das dádivas celestes do mesmo Deus, que tanto criou como redimiu o mundo.

Seguiu-se a isso a ideia do autossacrifício do próprio adorador, o sacrifício da autoconsagração renovada a Cristo em retorno por seu sacrifício na cruz, e também o sacrifício da caridade aos pobres. Até os séculos XII e XIII, os elementos eucarísticos eram apresentados como uma ação de graças pelos próprios membros da congregação, e o resto ia para o clero e os pobres. Nessas dádivas, o povo entregava-se a si mesmo como uma raça sacerdotal e oferta viva de ação de graças a Deus, a quem deviam todas as bênçãos igualmente da providência e da graça. Em tempos posteriores, somente o sacerdote oferecia o sacrifício. Mas mesmo o Missal Romano retém uma recordação do costume antigo na forma plural, “Nós oferecemos”, e na sentença: “Todos vós, irmãos e irmãs, orai para que o meu sacrifício e vosso sacrifício, que é igualmente vosso e meu, seja alimento para o Senhor”.

Essa oferta subjetiva de toda a congregação em razão do sacrifício expiatório objetivo de Cristo é o verdadeiro centro do culto cristão antigo, e particularmente da comunhão. Diferia, assim, tanto da missa católica posterior, que mudou a oferta de ação de graças para uma oferta pelo pecado, a oferta congregacional para uma oferta sacerdotal; e do cultus protestante comum, que, em oposição à missa romana, baniu quase que completamente a ideia de sacrifício da celebração da Ceia do Senhor, exceto nas ofertas costumeiras para os pobres.

Os escritores do século II mantêm estritamente dentro dos limites a noção de uma oferta de ação de graças congregacional. Assim, Justino diz explicitamente que somente as orações e as ações de graças são os sacrifícios verdadeiros e aceitáveis que os cristãos oferecem. Irineu foi suscitado como uma testemunha para a doutrina católica, apenas em virtude de uma leitura falsa. [27] Os Pais africanos, no século III, que em todo lugar se inclinam à interpretação simbólica das palavras da instituição, são os primeiros a se aproximar, neste ponto, da posterior ideia católica romana de um sacrifício pelo pecado; especialmente Cipriano, o paladino do sacerdócio e da autoridade episcopal. [28] As ideias de sacerdócio, sacrifício e altar estão intimamente ligadas, e uma concepção judaizante ou paganizante de uma delas deve estender-se a todo o resto.

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[1] Nomes: εὐχαριστία, κοινωνία, eucharistia, communio, communicatio, etc.

[2] Apologia, I, cap. 65, 66.

[3] Εὐχαριστηθέντος ἄρτου.

[4] Cipriano fala de sacrifícios diários. Ep. 54: “Sacerdotes qui Sacrificia Dei quotidie celebramus”. Do mesmo modo Ambrósio, Ep. 14 ad Marcell., e as obras litúrgicas mais antigas. Mas que a observância era variada, é atestado por Agostinho, entre outros, Ep. 118 ad Januarius, cap. 2: “Alii quotidie communicant corpori et sanguini Dominico; alii certis diebus accipiunt; alibi nullus dies intermittitur quo non offeratur; alibi sabbato tantum et dominico; alibi tantum dominico”. S. Basílio diz (Ep. 289): ‘Reunimo-nos quatro vezes na semana, no Dia do Senhor, no quarto dia, no dia da preparação [sexta-feira], e no Sabbath”. Crisóstomo reclama do pequeno número de comungantes no sacrifício diário.

[5] Rm 16.16; 1Co 16.20; 2Co 13.12; 1Ts 5.26; 1Pe 5.14. O Beijo da Paz continuou na Igreja Latina até o final do século XIII, e foi depois transferido para o encerramento do culto ou trocado por uma mera fórmula de palavras: Pax tibi et ecclesiaæ. Na Igreja Russa, o clero beija-se mutuamente durante a recitação do Credo Niceno para mostrar a união simbólica da ortodoxia e da caridade (tantas vezes separadas). Na Igreja Copta, o costume primitivo ainda vigora, e em algumas seitas protestantes pequenas foi recuperado.

[6] Προσφορά.

[7] Ἐπίκλησις τοῦ Πν. Ἁγ. Irineu remonta essa invocatio Spiritus S., bem como a oblação e a ação de graças, à instrução apostólica. Ver o 2º fragmento, em Stieren, I, 854. Ela aparece em todas as liturgias gregas. Na Liturgia Jacobi consta o seguinte: Καὶ ἐξαπόστειλον ἐφ’ ἡμᾶς καὶ ἐπὶ τὰ προσκείμενα δῶρα ταῦτα τὸ Πνεῦμά σου τὸ πανάγιον, τὸ κύριον καὶ ζωοποιόν […] ἵνα […] ἀγιάσῃ καί ποιήσῃ τὸν μὲν ἄρτον τοῦτον σῶμα ἅγιον τοῦ Χριστοὺ σοῦ, καὶ τὸ ποτήριον τοῦτο αἶμα τίμιον τοῦ Χρ. σοῦ, ἵνα γένηται πᾶσι τοῖς ἐξ αὑτῶν μεταλαμβάνουσιν εἰς ἅφεσιν ἁμαρτιῶν καὶ εἰς ζωὴν αἰώνιον, εἰς ἁγιασμὸν ψυχῶν καὶ σωμάτων, εἰς καρτοφορίαν ἔργων ἀγαθῶν.

[8] Κοινὸς ἄρτος, diz Justino, enquanto que, em vista de sua importância sagrada, ele também o chama de comida e bebida invulgar. O uso do pão levedado ou ázimo tornou-se mais tarde, como é bem sabido, um ponto de controvérsia entre as Igrejas Romana e Grega.

[9] Esta forma mais simples de distribuição, “Σῶμα Χριστοῦ” e “Αἴμα Χρ., ποτήριον ζωῆς”, ocorre na liturgia clementina das Constituições Apostólicas, XIII, 13, e parece ser a mais antiga. A Didaquê não dá nenhuma forma de distribuição.

[10] A postura da congregação de estar de pé durante as orações principais e na comunhão em si parece ter sido, a princípio, universal. Porquanto esse, de fato, era sempre o costume no dia da ressurreição como distinto da sexta-feira (“stantes oramus, quod est signum resurrectionis”, diz Agostinho); além disso, a comunhão era, no sentido mais elevado, uma cerimônia de festividade e alegria; e, finalmente, Justino observa explicitamente: “Em seguida, todos nós nos pomos de pé para orar”. Depois do século XII, ajoelhar-se no recebimento dos elementos tornou-se geral, e passou da Igreja Católica para a Luterana e a Anglicana, enquanto que a maior parte das Igrejas Reformadas retornou ao costume original de estar de pé. O sentar-se durante comunhão foi introduzido pela primeira vez, após a Reforma, pela Igreja Presbiteriana da Escócia, e é muito comum nos Estados Unidos os diáconos ou presbíteros levarem o pão e o cálice até os comungantes em seus bancos. Uma circunstância curiosa é a postura de sentar-se do Papa na comunhão, que Dean Stanley considera como sendo uma relíquia da postura reclinada ou recumbente dos discípulos primitivos. Ver sua Christ. Instit., p. 250, ss.

[11] Na Quinta-feira Santa, segundo o testemunho de Agostinho, a comunhão continuava a ser celebrada à noite, “tanquam ad insigniorem commemorationem”. Assim também nas principais festas, como a noite de Natal, Epifania e na véspera da Páscoa, e em tempos de jejum. Ver Ambrósio, Sermão VIII no Salmo 118.

[12] Apologeticum, cap. 39. “A respeito somente da modesta sala de ceia dos cristãos faz-se um vultoso escarcéu. Nossa festa explica-se a si mesma por seu nome. Os gregos chamam-na de amor. Qualquer que seja o custo, nossa despesa em nome da piedade é lucro, visto que, com as coisas boas da festa, beneficiamos os necessitados; não como sucede com os parasitas entre vós, ambicionando a glória de satisfazer suas propensões licenciosas, vendendo-se, por uma festa do ventre, a todos os tratos ignominiosos; antes, tal como sucede para o próprio Deus, um respeito peculiar é demonstrado para com os humildes. Se o objetivo de nossa festa for bom, considera à luz disso suas outras regras. Uma vez que é um ato do culto religioso, não se permite vileza nem imodéstia alguma. Os participantes, antes de se reclinarem, provam primeiro da oração a Deus. Come-se tanto quanto satisfaz os anseios do faminto; bebe-se tanto quanto convém ao casto. Eles dizem que é o bastante, como aqueles se lembram de que, mesmo durante a noite, importa que adorem a Deus; falam como aqueles que sabem que o Senhor é um de seus auditores. Depois que se lava as mãos e as luzes são trazidas, pede-se a cada um que se levante e entoe, conforme for capaz, um hino a Deus, ou das Sagradas Escrituras ou de sua própria composição — uma prova da moderação de como bebemos. Assim como a festa começou com oração, também com oração ela se encerra. Despedimo-nos dela, não como tropas de malfeitores ou bandos de errantes, nem para irromper em atos licenciosos, mas para atentar tanto para a nossa modéstia e castidade como se antes nos achássemos em uma escola de virtude, e não em um banquete” (Traduzido da “Ante-Nicene Library”).

[13] Ad Smyrn., cap. 7; contra os docetistas, que negam τὴν εὐχαριστίαν σάρκα εἶναι τοῦ σωτῆρος ἡμῶν ’I. Χρ., κ.τ.λ.; and Ad Ephes., cap. 20: Ὅς (sc. ἅρτος) ἔστιν φάρμακον ἀθανισίας, ἄντίδοτος τοῦ μὴ ἀποθανεῖν, ἀλλὰ ζῇν ἑν Ἰησοῦ Χριστῶ διὰ παντός. Ambas as passagens estão em falta na versão siríaca. Mas a primeira é citada por Teodoreto, Dial. III. p. 231, e deve, portanto, ter sido conhecida mesmo na igreja siríaca em seu tempo.

[14] No original, “high-churchly tendency”, refletindo um pendor à ideia de Alta Igreja e suas implicações litúrgicas e sacramentológicas [N. do T.].

[15] Apologia, I, 66 (I, 182, 3ª edição de Otto). Aqui também já ocorre o termo μεταβολή, que alguns polemistas romanos prontamente usam como um argumento em favor da transubstanciação. Justino diz: Ἐξ ἧς (i.e., τροφῆς) αἷμα καὶ σάρκες κατὰ μεταβολὴν τρέφονται ἡμῶν, ex quo alimento sanguis et carnes nostae per mutationem aluntur. Porém, de acordo com o contexto, isso não denota de maneira alguma uma transmutação dos elementos, e sim ou a assimilação deles com o corpo do receptor, ou a operação deles sobre o corpo, com relação à ressurreição futura. Cf. João 6.54, ss., e passagens semelhantes em Inácio e Irineu.

[16] Contra os Hereges, IV.18, e passim.

[17] No segundo dos Fragmentos, por Pfaff (Opp. Iren., ed. Stieren, vol. I, p. 855), que Maffei e outros teólogos romanos têm declarado injustificadamente ser espúrio. Aí se diz que os cristãos, depois da oferta do sacrifício eucarístico, invocam o Espírito Santo, ὅπως ἀποφήνῃ τὴν θυσίαν ταύτην καὶ τὸν ἄρτον σῶμα τοῦ Χριστοῦ, καὶ τὸ ποτήριον τὸ αἷμα τοῦ Χρ., ἵνα οἰ μεταλαβόντες τοῦτων τῶν ἀντιτύπων, τῆς ἀφέσεως τῶν ἁμαρτιῶν καὶ ζωῆς αἰωνίου τύχωσιν.

[18] 1Pe 3.20, 21.

[19] Const. Apost., 1, V, cap. 14: Τὰ ἀντίτυπα μυστήρια τοῦ τιμίου σώματος αὐτοῦ καὶ αἵματος. Da mesma forma em VI.30, e numa oração eucarística, VII.25. Outras passagens dos Pais gregos, ver em Stieren, l.c. p. 884, segs. Cf. também as versadas observações de Bleek em maior Com. on Heb. 8.5 e 9.24.

[20] Contra Marcião, IV.40; e da mesma forma, III.19. Esta interpretação está obviamente muito próxima da de Ecolampádio, que põe a figura no predicado, e que atribuía uma importância nenhum pouco pequena à autoridade de Tertuliano. Mas a visão zwingliana, que põe a figura em ἐστι em vez de no predicado, também aparece em Tertuliano, Contra Marcião, I.14, nos dizeres: “Panem qui ipsum corpus suum repraesentat”. As duas interpretações são apenas modificações gramaticais da mesma teoria simbólica.

[21] De Resur. Carnis, cap. 8. “Caro corpore et sanguine Christi vescitur, ut et anima de Deo saginetur”. De Pudic., cap. 9, ele atribui o novilho cevado, na parábola do filho pródigo, à Ceia do Senhor, dizendo: “Opimitate Dominici corporis vescitur, eucharistia scilicet”. De Orat., cap. 6: “Quod et corpus Christi in pane censetur”, que provavelmente deveria ser traduzido assim: deve ser compreendido pelo pão (não contido no pão).

[22] Por essa razão ele considera a mistura como sendo essencial. Epist. 63 (ed. Bal.) cap. 13: “Si vinum tantum quis offerat, sanguis Christi incipit esse sine nobis; si vero aqua sit sola, plebs incipit esse sine Christo. Quando autem utrumque miscetur et adunatione confusa sibi invicem copitlatur, tunc sacramentum spirituale et cœleste perficitur”.

[23] Comment. ser. in Matt., cap. 85 (III.898): “Panis iste, quem Dem Verbum [Logos] corpus suum esse fatetur, verbum est nutritorium animarum, verbum de Deo Verbo procedens, et panis de pani cœleste […] Non enim panem illum visibilem, quem tenebat in manibus, corpus situm dicebat Deus Verbum, sed verbum, in cuius mysterio est panis ille frangendus”. Assim também a mesma coisa sobre o vinho. Orígenes evidentemente não vai além da teoria zwingliana, ao passo que Clemente se aproxima da visão calvinista de uma fruição espiritual real da vida de Cristo na eucaristia.

[24] Aqui e em outras partes designando o sistema do culto religioso [N. do T.].

[25] Προσφορά, θυσία, oblatio, sacrificium.

[26] Também entre os judeus, o cálice de vinho na ceia pascal era chamado “o cálice da bênção”, ποτήριον ευλογίας = εὐχαριστίας. Cf. 1Co 10.16.

[27] Contra os Hereges, IV, cap. 18, § 4: “Verbum [Logos] quod offertur Deo”; em vez do que deveria ser lido, segundo outros manuscritos: “Verbum per quod offertur” — que combina muito melhor com a conexão. Cf. IV.17, § 6: “Per Jes. Christum offert ecclesia”. Stieren entende “Verbum quod”, mas relaciona-o não com Cristo, e sim com a palavra da oração. A passagem é, para todos os efeitos, demasiado obscura e por demais isolada para fundamentar um dogma.

[28] Epist. 63 ad Cœcil., cap. 14: “Si Jesus Christus, Dominus et Deus noster, ipse est summus sacerdos Dei Patris et sacrificium Patri seipsum primus obtulit et hoc fieri in sui commemorationem praecepit: utique ille sacerdos vice Christi vere fungitur, gui id, quod Christus fecit, imitatur et sacrificium verum et plenum tunc offert”.

Texto extraído e traduzido de History of the Christian Church, vol. II., págs. 235–247.

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