O Catecumenato, a Confirmação e o Batismo Infantil

Philip Schaff

Absalão Marques
Instituto Aletheia
11 min readJun 18, 2020

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A INSTRUÇÃO CATEQUÉTICA E A CONFIRMAÇÃO

LITERATURA

I. Cirilo (Κυρίλλος) de Jerusalém (315–386): Eighteen Catechetical Lectures, dirigidas aos catecúmenos (Κατηχήσεις φωτιζομένων) e Five Mystigogical Lectures, dirigidas aos recém-batizados. Melhor edição de Touttée, § 1720, reimpressa na Patrol. Gr. de Migne, vol. 33.

Agostinho († 430): De Catechizandis Rudibus.

II. Bingham: Antiquities, X, 2.

Zezschwitz (Tüb.): System der christl. Kirchl. Katechetik. Leipzig, vol. I. 1863; vol. II. em 2 partes, 1869 e 1872.

Joh. Mayer (Cat. Rom.): Geschichte des Katechumenats, and der Katechese, in den ersten sechs Jahrh. Kempten, 1866.

A. Weiss (Cat. Rom.): Die altkirchliche Pädagogik dargestelit in Katecumenat und Katechese der ersten sechs Jahrh. Freiburg, 1869.

Fr. X. Funk (Cat. Rom.): Die Katechumenats-classen des christl. Alterthums, na Tübing. “Theol. Quartalschrift”, Tüb. 1883, p. 41–77.

I. O catecumenato ou a preparação para o batismo era uma instituição muito importante da igreja primitiva. Ela data substancialmente dos tempos apostólicos. Teófilo foi “instruído” nos principais fatos da história evangélica; e Apolo foi “instruído” no caminho do Senhor. [1] Como a igreja foi estabelecida em meio a um mundo pagão, e dirigia-se em sua pregação missionária, em primeira instância, à geração adulta, ela via a necessidade de preparar os influenciáveis para o batismo através de uma instrução especial, sob mestres chamados “catequistas”, que eram geralmente presbíteros e diáconos. [2] O catecumenato precedia o batismo (de adultos); enquanto que, num período posterior, depois da introdução geral do batismo infantil, o sucedia. Era, por um lado, um baluarte da igreja contra membros indignos; por outro lado, uma ponte do mundo para a igreja, um noviciado cristão, para conduzir os iniciados à maturidade. Os catecúmenos ou ouvintes [3] não eram considerados descrentes, mas semicristãos, e eram por isso autorizados a participar de todas as práticas de culto, exceto a celebração dos sacramentos. Consistiam de pessoas de todas as classes, idades e graus de cultura, mesmo filósofos, políticos e retóricos — Justino, Atenágoras, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Cipriano, Arnóbio, Lactâncio, os quais todos abraçaram o cristianismo em sua vida adulta.

La Leçon de catéchisme, Jules-Alexis Muenier

A Didaquê contém nos seis primeiros capítulos um elevado catecismo moral de preparação para o batismo, baseado sobretudo no Sermão do Monte.

Havia apenas uma ou, no máximo, duas classes de catecúmenos. A divisão comum em três (ou quatro) classes baseia-se na confusão com as classes dos penitentes. [4]

A escola catequética de Alexandria era particularmente renomada por seu caráter altamente erudito.

A duração determinada dessa instrução catequética era, algumas vezes, de dois anos; [5] outras, de três anos; [6] mas podia ser abreviada de acordo com as circunstâncias. As pessoas de caráter moral decente e discernimento geral eram recebidas ao batismo sem demora. Os Concílios permitem a recepção em casos de doença.

II. A confirmação [7] estava, no princípio, estreitamente ligada ao batismo, como seu complemento positivo, e era realizada pela imposição de mãos e a unção de diversas partes de corpo com bálsamo aromático, a crisma, como era chamada. Esses atos eram o meio de transmissão do Espírito Santo e de consagração para o sacerdócio espiritual. Mais tarde, porém, ela passou a ser separada do batismo, especialmente no caso de infantes, sendo considerada um sacramento por si só. Cipriano é o primeiro a distinguir o batismo com água do batismo com o Espírito como sendo dois sacramentos; embora esse termo, sacramento, fosse usado ainda muito indefinidamente, e aplicado a todas as doutrinas e ritos sagrados.

Confirmation I, Nicolas Poussin

A Igreja Ocidental, depois do século III, restringiu o poder da confirmação aos bispos, sob a autoridade de Atos 8.17; somente eles, como sucessores dos apóstolos, sendo capazes de transmitir o Espírito Santo. A Igreja Grega estendeu essa função aos sacerdotes e diáconos. A Igreja Anglicana mantém a prática latina. A confirmação ou alguma forma de recepção solene à plena comunhão ou profissão pessoal de fé, após instrução apropriada, foi considerada um suplemento necessário ao batismo infantil, e mais tarde, um sacramento específico.

O BATISMO INFANTIL

LITERATURA

Sobre Batismo Infantil, cf. Justino Mártir: Diálogo com o Judeu Trifão. cap. 43; Irineu: Contra os Hereges. II. 22, § 4, comparado com III. 17, § 1, e outras passagens; Tertuliano: Do Batismo, cap. 18; Cipriano: Epístola LIX, ad Fidum; Clemente de Alexandria: O Pedagogo, III. 217; Orígenes: Comentário aos Romanos, V. Opp. IV, 565; e Homilia XIV em Lucas.

Ver Literatura no vol. I, p. 463, segs., especialmente em Wall. Cf. também W. R. Powers: Irenaeus and Infant Baptism, na “Am. Presb. And Theol. Rev”, N. Y., 1867, págs. 239–267.

Enquanto a igreja ainda era uma instituição missionária em meio a um mundo pagão, o batismo infantil era obscurecido pelo batismo de prosélitos adultos; ao passo que, nos períodos seguintes, pela união de Igreja e Estado, a ordem foi invertida. Naquele tempo, outrossim, não podia existir, com efeito, mesmo por parte dos pais cristãos, algo como um batismo compulsório, que data do reinado de Justiniano, e que leva inevitavelmente à profanação do sacramento. Constantino assentou-se entre os Pais no grande Concílio de Niceia, dando efeito legal aos decretos deste, e, não obstante, adiou seu batismo para o leito de morte. Os casos de Gregório de Nazianzo, S. Crisóstomo e Sto. Agostinho, que tinham mães de piedade exemplar e, ainda assim, não foram batizados antes do início da varonilidade, mostram suficientemente que uma liberdade considerável predominava neste sentido, mesmo nas épocas nicena e pós-nicena. Gregório de Nazianzo dá o conselho de adiar o batismo dos filhos, onde não há perigo de morte, para o seu terceiro ano de idade. [8]

Ao mesmo tempo, parece ser um fato quase certo, conquanto debatido por muitos, que, junto com o batismo de convertidos, o batismo opcional dos filhos de pais cristãos em congregações estabelecidas vem desde a era apostólica. [9] Os pais piedosos naturalmente sentiriam um desejo de consagrar sua descendência desde o primeiro momento ao serviço do Redentor, e encontram um precedente na ordenança da circuncisão. Esse desejo se intensificaria em casos de doença pela noção predominante da necessidade do batismo para a salvação. Entre os Pais, sem exceção do próprio Tertuliano — pois que ele combate tão somente seu apressamento — , não há uma única voz contra a legitimidade e a origem apostólica do batismo infantil. Não se pode determinar nenhum momento em que este foi introduzido. Tertuliano sugere que geralmente baseava-se no convite de Cristo: “Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis”. O costume do apadrinhamento, de que o próprio Tertuliano dá testemunho, embora o desaprove, e, mais ainda, o abuso da comunhão dos infantes quase igualmente antigo, implica a existência do batismo infantil. Os hereges também o praticavam, sem serem por isso censurados.

Baptism in Scotland, John Phillip

Os Pais apostólicos, de fato, não fazem menção alguma dele. Mas seu silêncio nada prova; pois eles mal abordam qualquer batismo que seja, exceto Hermas, e este o declara necessário para a salvação, até para os patriarcas no Hades (portanto, como podemos bem inferir, para as crianças também). Justino Mártir ensina expressamente a aptidão de todos os homens para a circuncisão espiritual pelo batismo; e seu “todos” pode ser limitado com bem pouca propriedade, visto que aqui ele está falando a um judeu. [10] Ele diz também que muitos velhos e velhas, de sessenta e setenta anos de idade, foram, desde a infância, discípulos de Cristo. [11] Policarpo era um cristão de oitenta e seis anos, e deve ter sido batizado na tenra juventude. De acordo com Irineu, seu pupilo e fiel portador da tradição joanina, Cristo passou por todos os estágios da vida, para santificá-los todos, e veio para redimir, através de si mesmo, “todos quanto por meio dele nascem de novo em Deus, criancinhas de peito, crianças, meninos, jovens e adultos”. [12] Essa visão profunda parece envolver um reconhecimento não apenas da ideia do batismo infantil, mas também de sua prática; porquanto, na mente de Irineu e da igreja antiga, o batismo e a regeneração eram intimamente ligados e quase identificados. [13] Em um infante, de fato, nenhuma regeneração, senão pelo batismo, pode ser concebida. Uma regeneração moral e espiritual, como sendo distinta da sacramental, implicaria conversão, e este é um ato consciente da vontade, um exercício de arrependimento e fé, do qual o infante não é capaz.

Nas igrejas do Egito, o batismo infantil deve ter sido praticado desde o princípio. Pois, além de algumas expressões não muito claras de Clemente de Alexandria, Orígenes remonta-o nitidamente à tradição dos apóstolos; e, por meio de suas viagens ao Oriente e ao Ocidente, estava bem familiarizado com a prática da igreja em seu tempo. [14]

O único oponente do batismo infantil entre os Pais é o excêntrico e cismático Tertuliano, do Norte da África. Ele condena o apressamento da idade inocente para o perdão dos pecados, e que se lhe confie dons divinos, ao mesmo tempo que nós não lhe confiaríamos propriedade terrena. [15] Qualquer um que considere a solenidade do batismo se desviará mais de seu recebimento do que de sua postergação. Todavia, o próprio modo da oposição de Tertuliano prova ser tão favorável ao batismo infantil quanto contrário. Ele não o considera uma inovação, mas um costume predominante; e não o encara com argumentos exegéticos nem históricos, mas apenas com considerações de prudência religiosa. Sua oposição a ele está baseada em sua visão do efeito regenerador do batismo e da impossibilidade de ter pecados mortais perdoados na igreja após o batismo; de que esta ordenança não pode ser repetida, purificando somente a culpa contraída antes de seu recebimento. Pela mesma razão, ele aconselha adultos sadios, especialmente os solteiros, a postergar este sacramento até que não mais estejam em perigo de perder para sempre a graça do batismo, cometendo adultério, assassinato, apostasia ou quaisquer outros dos sete crimes que chama de pecados mortais. Sob o mesmo princípio, seu conselho aplica-se tão somente às crianças sadias, não às enfermas, se considerarmos que ele sustentava que o batismo é a condição imprescindível para o perdão dos pecados, e que ensinava a doutrina do pecado hereditário. Para ele, essa posição decorria de uma seriedade moral e de um senso vívido da grande solenidade do voto batismal. Entretanto, muitos adiavam o batismo até o seu leito de morte, em leviandade e presunção moral, a fim de que pudessem pecar enquanto era possível.

A oposição de Tertuliano, ademais, não teve nenhuma influência, pelo menos nenhuma influência teórica, mesmo no Norte da África. Seu discípulo, Cipriano, divergia completamente dele. Em seus dias, a questão não era se os filhos dos pais cristãos podiam e deviam ser batizados — nisso todos estavam de acordo — , mas se podiam ser batizados antes do segundo ou do terceiro dia depois do nascimento, ou, segundo o precedente da circuncisão judaica, no oitavo dia. Cipriano, e um concílio de sessenta e seis bispos, realizado em Cartago, em 253, sob sua liderança, decidiram pelo mais cedo possível, sem, contudo, condenar a postergação. [16] Em certa medida, foi a mesma visão do efeito quase mágico da água batismal, e de sua necessidade absoluta para a salvação, que levou Cipriano a adiantar, e Tertuliano a postergar, a sagrada ordenança; um observando mais o efeito benéfico do sacramento quanto aos pecados passados; o outro, o perigo dos pecados vindouros.

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[1] Lucas 1.4 (κατηχήθης); Atos 18.25 (κατηχημένος); cf. Rm 2.18; 1Co 14.19; Gl 6.6; Hb 5.12. O verbo κατηχέω significa (1) ressoar; (2) ensinar por palavra; (3) nos escritores cristãos, instruir nos rudimentos da religião.

[2] Κατηχηταί, doctores audientium. O termo designa uma função, não um ofício ou classe especial.

[3] Κατηχούμενοι, ἀκροαταί, auditores, audientes.

[4] Ἀκροώμενοι ou audientes; γονυκλίνοντες ou genuflectentes; e φωτιζόμενοι ou competentes. De acordo com Ducange, Augusti, Neander, Höfling, Hefele (na 1ª edição de Conciliengeschichte, mas modificado na 2ª, vol. I, 246, 249), Zezschwitz, Herzog, e muitos outros. Bona e Bingham acrescentam até uma quarta classe (ἐξωθούμενοι). Mas essa classificação artificial (como o Dr. Funk demonstrou, l.c.) surgiu de uma má interpretação do quinto cânone de Neocesareia (entre 314 e 325), que menciona um γόνυ κλίνων, mas representando uma classe de penitentes, não de catecúmenos. Suicer Mayer e Weiss pensam em somente duas classes, audientes e competentes. Funk sustenta que os candidatos para o batismo (φωτιζόμενοι, competentes ou electi baptizandi) já eram contados entre os fiéis (fideles), e que havia apenas uma classe de catecúmenos.

[5] Concílio de Elvira, cânone 42.

[6] Const. Apost. VIII, 32.

[7] Σφραγίς, χρίσμα, confirmatio obsignatio, signaculum.

[8] Orationes, XL.

[9] Cf. I, 469, segs. O fato não é passível de prova categórica, mas baseia-se em fortes possibilidades. Os batistas o negam. Neander, da mesma forma, mas aprovando a prática do batismo infantil como procedendo do espírito do cristianismo.

[10] Diálogo com Trifão, cap. 43.

[11] Apologia, l.c., 15 (Otto 1.48): οἱ ἐκ παίδων ἐμαθητεύθησαν τῷ Χριστῷ.

[12] Contra os Hereges, II.22, § 4: “Omnes venit per semetipsum salvare; omnes, inquam qui per cum renascuntur in Deum, infantes et parvulos et pueros et juvenes et seniores. Ideo per omnem venit aetatem, et infantibus infans factus, sanctificans infantes; in parvulis parvulus, sanctificans hanc ipsam habentes aetatem; simul et exemplunt illis pietatis effectus et justitæ subjectionis, in juvenibus juvenis”, etc. Neander, discutindo esta passagem, observa que “desta ideia, fundamentada naquilo que é mais íntimo no cristianismo, tornando-se proeminente no sentimento dos cristãos, resultou a prática do batismo infantil” (I.312, edição de Boston).

[13] Irineu fala do “lavar da regeneração” e do “batismo da regeneração em Deus”, τὸ βάπτισμα τῆς εἰς θεὸν ἀναγεννήσεως (Contra os Hereges, l.c., 21, § 1); identifica a comissão apostólica de batizar com a potestas regenerationis in Deum (III.17, § 1); diz que Cristo, descendo ao Hades, regenerou os patriarcas antigos (III. cap. 22, § 4: “in sinum suum recipiens pristinos patres regeneravit eos in vitam Dei”), através do que ele provavelmente queria dizer batismo (de acordo com a imaginação de Hermas, Clemente de Alexandria e outros). Compare com um exame das várias passagens de Irineu no artigo de Powers, que chega à conclusão (l.c. p. 267) de que “Irineu, em toda parte, sugere o batismo na regeneração que tão frequentemente menciona”.

[14] Em Ep. ad Rom. (Opera, vol. IV, col. 1047, ed. Migne; ou IV, 565, ed. Delarue): “Pro hoc et Ecclesia ab apostolis traditionem suscepit, etiam parvulis baptismum dare”. Em Levit. Hom. VIII (II. 496, em Migne), ele diz que, “secundum Ecclesiae observantiam”, o batismo foi dado também às crianças (etiam parvulis). Cf. Com. in Matt. (III, 1268, ss.), onde ele parece inferir esse costume do exemplo de Cristo abençoando os pequeninos. Que o próprio Orígenes foi batizado na infância (185 ou pouco depois) não é explicitamente afirmado em suas obras (até onde sei), mas pode ser inferido como sendo provável de sua ascendência e da instrução religiosa precoce por pais cristãos (relatado por Eusébio, História Eclesiástica, VI.19: τῷ Ὀριγένει τὰ τῆς κατὰ Χριστὸν διδασκαλίας ἐκ προγόνων ἐσώζετο), em conexão com o costume egípcio. Cf. Redepenning, Origenes, I.49. Com efeito, seria mais difícil provar que ele não foi batizado na infância. Ele podia facilmente dar espaço para o batismo infantil em seu sistema teológico, que envolvia a ideia platônica de uma queda pré-histórica da alma individual. No entanto, a teologia cipriânica e agostiniana ligava-o à queda histórica de Adão, e à consequente depravação e culpa hereditária.

[15]Quid festinat innocens aetas ad remissionem peccatorum?”. O “innocens” aqui deve ser tomado apenas em um sentido relativo; pois Tertuliano, em outras partes, ensina um vitium originis, ou pecado e culpa hereditária, se bem que não tão distinta e claramente quanto Agostinho.

[16] Um concílio posterior de Cartago do ano 418 foi além e decretou: “tem placuit, ut quicunque parvulos recentes ab uteris matrum baptizandos negat […] anathema sit”.

Texto extraído e traduzido de History of the Christian Church, vol. II., págs. 255–262.

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