O Testemunho de Napoleão Bonaparte a respeito de Jesus Cristo

Philip Schaff

Absalão Marques
Instituto Aletheia
14 min readAug 31, 2020

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Excerto da “Coletânea de Testemunhos de Descrentes” se encontra no livro
“A Pessoa de Cristo”, o qual, se Deus permitir, será em breve publicado pela Editora Noesis.

It’s Over, Napoleon, Oscar Rex.

Certa feita, Napoleão falava da Divindade de Cristo, quando o General Bertrand disse:

“É-me inconcebível, sire, como um grande homem como tu podes crer que o Ser Supremo já se expôs aos homens sob forma humana, com corpo, rosto, boca e olhos. Seja Jesus como bem se queira — a inteligência mais elevada, o coração mais puro, o legislador mais profundo, e, em todos os aspectos, o ser mais singular que já existiu: eu o reconheço. Ainda assim, ele era simplesmente um homem que ensinou aos seus discípulos e iludiu o vulgo crédulo, como o fizeram Orfeu, Confúcio e Brama. Jesus fez com que ele mesmo fosse adorado, porquanto seus predecessores, Ísis e Osíris, Júpiter e Juno, fizeram-se soberbamente objetos de culto. A ascensão de Jesus sobre o seu tempo foi qual a ascensão dos deuses e dos heróis das fábulas. Se Jesus apaixonou e amarrou à sua carruagem a multidão, se revolucionou o mundo, vejo nisso somente o poder do gênio e a ação de um espírito dominante, que triunfa sobre o mundo, tal como muitos conquistadores o fizeram — Alexandre, César, tu, sire, e Maomé — com uma espada.”

Napoleão retrucou:

“Eu conheço os homens, e digo-te que Jesus Cristo não é um homem. Mentes superficiais veem uma semelhança entre Cristo e os fundadores dos impérios e os deuses de outras religiões. Tal semelhança não existe. Há entre o cristianismo e quaisquer outras religiões a distância do infinito.

“Nós podemos dizer aos autores de qualquer outra religião: ‘Não sois nem deuses nem agentes da Deidade. Vós sois tão somente missionários da falsidade, moldados do mesmo barro juntamente com o resto dos mortais. Sois feitos de todas as paixões e vícios que lhes são inseparáveis. Vossos templos e vossos sacerdotes proclamam a vossa origem’. Assim há de ser o julgamento e o brado da consciência de todo aquele que examina os deuses e os templos do paganismo.

“O paganismo jamais foi aceito como verdade pelos sábios da Grécia; nem por Sócrates, Platão, Anaxágoras ou Péricles. Em contrapartida, os intelectos mais elevados, desde o advento do cristianismo, tiveram fé, uma fé viva, uma fé prática nos mistérios e nas doutrinas do evangelho; não só Bossuet e Fénelon, que eram pregadores, mas Descartes e Newton, Leibniz e Pascal, Corneille e Racine, Carlos Magno e Luís XIV.

“O paganismo é obra do homem. Pode-se depreender disso somente a nossa imbecilidade. Que coisa esses deuses, tão soberbos, sabem mais do que os outros mortais; esses legisladores, gregos ou romanos; este Numa; este Licurgo; estes sacerdotes da Índia ou de Mênfis; este Confúcio; este Maomé? — absolutamente nada. Eles fizeram um caos cabal de mortais. Não há um só dentre eles todos que tenha dito qualquer coisa nova em relação ao nosso futuro destino, à alma, à essência de Deus, à criação. Adentra os santuários do paganismo: aí encontras caos cabal, uma miríade de contradições, guerras entre os deuses, a imobilidade da escultura, a separação e o despedaçamento da unidade, a partição dos atributos divinos mutilados ou negados em sua essência, os sofismas da ignorância e da presunção, fêtes contaminadas, impureza e abominação adoradas, toda sorte de corrupção a supurar nas sombras espessas, com a madeira putrefata, o ídolo e o sacerdote. Acaso honra isso a Deus ou desonra-o? Acaso estas religiões e estes deuses devem ser comparados ao cristianismo?

“Quanto a mim, digo que não. Eu convoco todo o Olimpo para o meu tribunal. Julgo os deuses, porém estou longe de prostrar-me diante das suas imagens vãs. Os deuses e os legisladores da Índia e da China, de Roma e de Atenas, nada têm que possa infundir-me temor. Não que eu lhes seja injusto. Não: eu os aprecio, pois conheço-lhes o valor. São, inegavelmente, príncipes, cuja existência está retida na memória como uma imagem de ordem e poder, como o ideal de força e beleza; tais príncipes não eram homens ordinários.

“Eu vejo em Licurgo, Numa e Maomé tão somente legisladores, que logram a primeira posição no Estado, que buscaram a melhor solução do problema social: mas nada vejo aí que revele Divindade. Eles próprios nunca elevaram tão altaneiramente suas pretensões. Quanto a mim, reconheço os deuses e estes grandes homens como seres tais como eu mesmo. Desempenharam um elevado papel em seus tempos, tal como eu fiz. Nada os proclama divinos. Ao contrário, há semelhanças inúmeras entre eles e eu mesmo — fraquezas e erros que os unem a mim e à humanidade.

“Não é assim com Cristo. Tudo nele assombra-me. Seu espírito me estarrece e sua vontade me embaraça. Entre ele e qualquer outro no mundo não há termo possível de comparação. Ele é verdadeiramente um ser único. Suas ideias e suas opiniões, as verdades que proclama e sua maneira de convencer não se explicam, seja pela organização humana ou pela natureza das coisas.

“Seu nascimento e a história de sua vida; a profundidade de sua doutrina, que se engalfinha com as mais tremendas dificuldades, e que é, dessas dificuldades, a solução mais admirável; seu evangelho, sua manifestação, seu império, sua marcha através das eras e dos reinos — tudo me é prodígio, mistério insolúvel, que me precipita em devaneios dos quais não sou capaz de escapar; mistério que está perante os meus olhos; mistério que não logro nem negar nem explicar. Aqui não vejo homem algum.

“Quanto mais me acerco, tanto mais eu cuidadosamente examino, tudo está acima de mim; tudo permanece grandioso — de uma grandeza que subjuga. Sua religião é uma revelação de uma inteligência que certamente não é de homem. Existe ali uma originalidade profunda que criou uma série de palavras e de máximas outrora desconhecidas. Jesus em nada se apropriou da nossa ciência. Não se pode achar absolutamente em lugar nenhum, senão nele, a imitação ou o exemplo de sua vida. Ele não é um filósofo, visto que avança por meio de milagres; e, desde o começo, seus discípulos o adoraram. Ele convenceu-os antes por um apelo ao coração do que por qualquer demonstração de método e de lógica. Tampouco lhes impôs quaisquer estudos preliminares ou qualquer conhecimento das letras. Toda a religião dele consiste em crer.

“Na verdade, as ciências e a filosofia de nada aproveitam para a salvação; e Jesus veio ao mundo para revelar os mistérios do céu e as leis do espírito. Outrossim, ele nada tem que vez senão com a alma; e somente a esta traz o seu evangelho. A alma lhe é suficiente, tal como ele é suficiente para a alma. Antes dele, a alma nada era. A matéria e o tempo eram os senhores do mundo. Pela sua voz, tudo retorna à ordem. A ciência e a filosofia tornam-se secundárias. A alma reconquistou sua soberania. Toda a tribuna escolástica desmorona, qual edifício arruinado, ante uma só palavra — fé.

“Que mestre, e que palavra capaz de efetuar tamanha revolução! Com que autoridade ensina os homens a orar! Ele impõe sua crença; e ninguém, até agora, foi capaz de contradizê-lo; primeiro, porque o evangelho contém a mais pura moralidade; e também porque a doutrina de obscuridade que contém é tão somente a proclamação e a verdade daquilo que existe onde nenhum olho pode divisar e onde nenhuma razão pode perscrutar. Quem é o insensato que dirá “não” ao intrépido viajante que reconta as maravilhas dos cumes gélidos os quais somente ele teve a ousadia de visitar? É Cristo esse ousado viajante. Pode-se, sem dúvida, permanecer incrédulo; mas ninguém pode ousar dizer, ‘não é verdade’.

“Ademais, consulta os filósofos sobre as questões misteriosas relacionadas à essência do homem e à essência da religião. Qual é a resposta deles? Onde está o homem de bom siso que nunca aprendeu qualquer coisa do sistema de metafísica, antigo ou moderno, que não é em verdade uma ideologia vã e pomposa, sem qualquer conexão com a nossa vida doméstica, com as nossas paixões? Inquestionavelmente, com destreza de pensamento, é possível apreender a chave da filosofia de Sócrates e Platão. Mas, para tanto, é necessário ser um metafísico; e, ademais, com anos de estudo, deve-se possuir uma aptidão especial. Mas só o bom siso, o coração e um espírito honesto são insuficientes para compreender o cristianismo. A religião cristã não é nem ideologia nem metafísica, mas uma regra prática que dirige as ações do homem, corrige-o, aconselha-o e assiste-o em toda a sua conduta. A Bíblia contém toda uma série de fatos e de homens históricos para explicar o tempo e a eternidade, como nenhuma outra religião tem para oferecer. Se esta não é a religião verdadeira, é deveras escusável ser assim enganado; pois tudo nela é grandioso e digno de Deus. É debalde que eu busco na história encontrar o semelhante a Jesus Cristo, ou alguma coisa que possa aproximar-se do evangelho. Nem a história, nem a humanidade, nem as eras, nem a natureza oferecem-me qualquer coisa com que sou capaz de compará-lo ou explicá-lo. Aqui, tudo é extraordinário. Quanto mais eu considero o evangelho, tanto mais tenho por certo que não há nada ali que não esteja além do curso dos eventos e acima da mente humana. Mesmo os próprios ímpios jamais ousaram negar a sublimidade do evangelho, o qual lhes inspira um tipo de veneração compulsória. Que felicidade concede esse livro para aqueles que nele creem! Que maravilhas que aí admiram aqueles que nele meditam!

“Todas as palavras ali estão embutidas e atreladas uma à outra, qual pedras de um edifício. O espírito que interliga essas palavras é um cimento divino, que ora revela o sentido, ora retira-o da mente. Cada frase tem um sentido completo que delineia a perfeição da unidade e a profundidade do todo. Livro único! onde a mente acha uma beleza moral dantes desconhecida; e uma ideia do Supremo, superior mesmo àquela que a criação sugere. Quem, senão Deus, poderia produzir esse tipo, essa ideia de perfeição igualmente exclusiva e original?

“Cristo, tendo somente alguns fracos discípulos, foi condenado à morte. Morreu como objeto da ira dos sacerdotes judeus e do desprezo da nação, abandonado e negado pelos seus próprios discípulos.

“‘Eles estão prestes a me tomar e crucificar’, disse ele. ‘Hei de ser abandonado de todo o mundo. Meus principais discípulos me negarão no início do meu castigo. Serei deixado nas mãos dos perversos. Mas, então, em sendo satisfeita a justiça divina, em sendo expiado o pecado original por meus sofrimentos, o elo do homem com Deus renovar-se-á e minha morte será a vida dos meus discípulos. Serão, pois, mais fortes sem mim do que comigo; pois me verão subir novamente. Ascenderei aos céus e lhes enviarei do alto um Espírito que há de instrui-los. O Espírito da Cruz os capacitará a entender o meu evangelho. Enfim, hão de crer nele; eles o pregarão e converterão o mundo’.

“E esta estranha promessa, tão habilmente chamada por Paulo ‘a loucura da cruz’, esta predição de alguém miseravelmente crucificado cumpre-se literalmente; e o modo do cumprimento é quiçá mais prodigioso do que a promessa.

“Não foi um dia nem uma batalha que o decidiu. Acaso foram os dias de um homem? Não: é uma guerra, um longo combate de trezentos anos, começado pelos apóstolos e prosseguido pelos seus sucessores e pelas gerações subsequentes dos cristãos. Neste conflito, todos os reis e todas as forças da terra estão alinhados em um lado. No outro, eu não vejo exército algum, mas sim uma energia misteriosa, indivíduos dispersos aqui e ali, em todas as partes da terra, não tendo outro sinal de convergência senão uma fé comum nos mistérios da cruz.

“Que símbolo misterioso, o instrumento do castigo do Homem-Deus! Com este estavam armados os seus discípulos. ‘O Cristo’, diziam, ‘Deus, morreu pela salvação dos homens’. Que porfia, que tumulto suscitaram essas simples palavras em volta do nível vulgar do castigo do Homem-Deus! Por um lado, vemos a ira e todas as fúrias do ódio e da violência; por outro, há mansidão, coragem moral, resignação infinita. Durante esses trezentos anos, o espírito lutou contra a brutalidade da sensação, a consciência contra o despotismo, a alma contra o corpo, a virtude contra todos os vícios. O sangue dos cristãos jorrou em torrentes. Eles morreram beijando a mão que os abatia. Somente a alma protestava, enquanto o corpo rendia-se a todas as torturas. Em todo lugar tombaram os cristãos, e em todo lugar triunfaram.

“Tu falas de César, de Alexandre, de suas conquistas e do entusiasmo que inflamavam aos corações de seus soldados; mas não podes conceber um morto a realizar conquistas, com um exército fiel e inteiramente devoto à memória dele? Meus exércitos olvidaram-me quando ainda vivo, tal como o exército cartaginês esqueceu-se de Aníbal. Eis o nosso poder! Uma única batalha perdida nos esmaga e a adversidade já dispersa os nossos amigos.

“Podes tu conceber César como o eterno imperador do senado romano, e, desde as profundezas do seu mausoléu, governando o império, velando os destinos de Roma? Tal é a história da invasão e conquista do mundo pelo cristianismo; tal o poder do Deus dos cristãos; e tal o perpétuo milagre do progresso da fé e do governo de sua Igreja. As nações se esvaem; os tronos desmoronam; mas a Igreja permanece. Qual é, pois, o poder que tem protegido esta Igreja, assim assaltada pelas ondas encapeladas de fúria e pela hostilidade das eras? De quem o braço que, por mil e oitocentos anos, tem protegido a Igreja de tantas tormentas que têm ameaçado engolfá-la?

“Alexandre, César, Carlos Magno e eu mesmo estabelecemos impérios. Todavia, sobre o que firmamos nós as criações do nosso gênio? Sobre a força. Somente Jesus Cristo estabeleceu o seu império sobre o amor; e, até hoje, milhões de homens morreriam por ele.

“Em toda outra existência além da de Cristo, quantas imperfeições! Onde está o caráter que não cedeu, vencido pelos entraves? Onde o indivíduo que jamais foi governado pelas circunstâncias ou lugares; que nunca sucumbiu às influências dos tempos; que jamais conformou-se a quaisquer costumes ou paixões? Desde o primeiro dia ao derradeiro, ele é o mesmo, sempre o mesmo; majestoso e simples; infinitamente firme e infinitamente manso.

“A verdade deve abarcar o universo. Assim é o cristianismo — a única religião que destrói preconceitos sectários; a única que proclama a unidade e a irmandade absoluta de toda a família humana; a única que é puramente espiritual; por fim, a única que a todos outorga, sem distinção, por nação verdadeira, o seio do Criador, Deus. Cristo provou que era o Filho do Eterno por seu desprezo ao tempo. Todas as suas doutrinas significam uma única e mesma coisa — eternidade.

“É bem verdade que Cristo propõe à nossa fé uma série de mistérios. Ele ordena com autoridade que creiamos neles — sem dar-nos nenhuma outra razão senão essas tremendas palavras, ‘Eu sou Deus’. Ele o declara. Que abismo ele cria, por essa declaração, entre si mesmo e todos os fabricadores de religião! Que audácia, que sacrilégio, que blasfêmia, caso não fosse a verdade! Digo ainda: O triunfo universal de uma afirmação desse tipo, caso o triunfo não fosse realmente o do próprio Deus, seria uma desculpa plausível e a prova do ateísmo.

“Ademais, ao propor mistérios, Cristo é harmonioso com a Natureza, que é profundamente misteriosa. Donde vim? Para onde vou? Quem sou? A vida humana é um mistério em sua origem, sua organização e seu fim. No homem e fora do homem, na Natureza, tudo é misterioso. E pode alguém desejar que a religião não fosse misteriosa? A criação e o destino do mundo são um abismo insondável, como também são a criação e o destino de cada indivíduo. O cristianismo pelo menos não evade essas grandes perguntas; defronta-as ousadamente: e as nossas doutrinas lhes são solução para todo aquele que crê.

“O evangelho possui uma virtude secreta, uma eficácia misteriosa, uma calidez que penetra e acalma o coração. Encontra-se, ao meditar sobre ele, o que se experimenta ao contemplar os céus. O evangelho não é um livro: é um ser vivo, com uma ação, um poder que invade tudo que se opõe à sua extensão. Vê! Ei-lo sobre esta mesa: este livro, suplantando todos os demais [neste ponto o imperador deferentemente pôs sobre ele a sua mão]; jamais deixarei de lê-lo, e todo dia com o mesmo prazer.

“Em nenhum lugar deve-se encontrar tal série de ideias belas; máximas morais admiráveis, que passam diante de nós como os batalhões de um exército celeste, e que produzem em nossa alma as mesmas emoções que se experimenta ao contemplar a vastidão infinita dos céus, resplandecente numa noite de verão com todo o brilho estrelado. Não apenas é absorvida a nossa mente; é controlada: e a alma jamais pode se extraviar tendo este livro por seu guia. Uma vez senhor do nosso espírito, o fiel evangelho nos ama. Mesmo Deus é nosso amigo, nosso pai e verdadeiramente nosso Deus. A mãe não tem cuidado maior do que este pelos infantes a quem amamenta.

“Que prova da Divindade de Cristo! Com um tão absoluto império, ele tem um único fim — o aperfeiçoamento espiritual dos indivíduos, a pureza da consciência, a união com aquilo que é verdadeiro, a santidade da alma.

“Cristo fala, e logo gerações tornam-se suas por laços mais estreitos e chegados do que os de sangue — pela mais sagrada e mais indissolúvel das uniões. Ele acende as chamas de um amor que prevalece sobre todo outro amor. Os fundadores de outras religiões jamais conceberam este amor místico que é a essência do cristianismo e que belamente se chama caridade. Em toda tentativa de afetar tal coisa, a saber, fazer-se amado, o homem sente profundamente a sua própria impotência. De modo que o maior milagre de Cristo é indubitavelmente o reino da caridade.

“Tenho multidões tão inspiradas que as mesmas morreriam por mim. Deus proíbe que eu faça qualquer comparação entre o entusiasmo do soldado e o da caridade cristã, que são tão distintos quanto a causa deles!

“Mas, afinal, minha presença era necessária: o relampejo do meu olhar, minha voz, uma só palavra minha e o fogo sagrado era aceso em seus corações. Eu possuo, com efeito, o segredo deste poder mágico que eleva a alma; mas nunca poderia transmiti-lo a ninguém. Nenhum dos meus generais jamais o aprendeu de mim. Tampouco tenho os meios de perpetuar meu nome e o amor por mim nos corações dos homens, e efetuar essas coisas sem meios físicos.

“Agora que estou em Sta. Helena, agora que estou sozinho, acorrentado sobre esta rocha, quem luta e ganha impérios por mim? Quem são os cortesãos do meu infortúnio? Quem atenta para mim? Quem na Europa se esforça por mim? Quem são os meus amigos? Sim: dois ou três, a quem a tua fidelidade imortaliza, tu compartilhas e consolas o meu exílio.”

Aqui a voz do imperador estremeceu de emoção, e, por um momento, ele manteve-se em silêncio. Então, prosseguiu:

“Sim: nossa vida reluziu com todo o brilho do diadema e do trono; e a tua, Bertrand, refletiu esse resplendor, como a cúpula do Invalides, por nós dourada, reflete os raios do sol. Mas veio o desastre: o ouro paulatinamente tornou-se baço. A chuva do infortúnio e do ultraje, com que sou diariamente inundado, apagou todo o brilho. Eis que agora somos tão somente chumbo, General Bertrand; e logo jazerei em minha sepultura.

“Tal é o fado dos grandes homens! Assim sucedeu a César e a Alexandre. E eu, também, estou olvidado; e o nome de um conquistador e imperador é um tema universitário! Nossas façanhas são tarefas dadas aos pupilos por seus tutores, que se assentam para nos julgar, recompensando com censura ou louvor. E guarde o que em breve será de mim: assassinado pela oligarquia inglesa, morro antes da minha hora; e meu cadáver, outrossim, há de retornar à terra e tornar-se alimento para os vermes. Eis o destino tão iminente daquele a quem o mundo chamava o grande Napoleão! Que abismo entre a minha profunda miséria e o reino eterno de Cristo, que é proclamado, amado, adorado e que se estende por toda a terra! Acaso isto é morrer? Não é, antes, viver? A morte de Cristo — é a morte de Deus!”

Por um momento, o imperador silenciou-se. Uma vez que o General Bertrand não deu resposta, ele acrescentou solenemente: “Se não percebes que Cristo é Deus, pois bem: nesse caso, eu agi mal fazendo de ti um general.”

Extraído do livro The Person of Christ: The Miracle of History. With a Reply to Strauss and Renan, and a Collection of Testimonies of Unbelievers, pp. 315–336.

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