Os Primórdios da Arte Cristã (pt. 2)

Philip Schaff

Absalão Marques
Instituto Aletheia
16 min readAug 26, 2020

--

O Bom Pastor, rodeado de cenas da história veterotestamentária de Jonas. Catacumba de SS. Pedro e Marcelino, início do séc. IV, Roma.

ILUSTRAÇÕES HISTÓRICAS E ALEGÓRICAS

Desses emblemas, restava apenas um passo para as representações iconográficas. A Bíblia fornecia um rico material para as ilustrações históricas, tipológicas e alegóricas, que se encontram nas catacumbas e nos monumentos antigos. Muitas delas datam do século III ou até do século II.

As ilustrações favoritas do Antigo Testamento são Adão e Eva, os rios do Paraíso, a arca de Noé, o sacrifício de Isaque, a passagem pelo Mar Vermelho, a entrega da lei, Moisés ferindo a rocha, o livramento de Jonas, Jonas desnudo sob a cabaceira, o traslado de Elias, Daniel na cova dos leões e os jovens na fornalha ardente. Então temos cenas dos Evangelhos, e da história apostólica e pós-apostólica, tais como a adoração dos magos, o encontro destes com Herodes, o batismo de Jesus no Jordão, a cura do paralítico, a transformação da água em vinho, a alimentação milagrosa dos quinhentos, as dez virgens, a ressurreição de Lázaro, a entrada em Jerusalém, a Santa Ceia e os retratos de S. Pedro e S. Paulo. [1]

A paixão e a crucificação jamais eram representadas nos primeiros monumentos, com exceção do símbolo da cruz.

Ocasionalmente, encontramos também representações mitológicas, como Psiquê com asas, e brincando com pássaros e flores (um emblema da imortalidade), Hércules, Teseu, e especialmente Orfeu, que com sua canção mágica acalmava a tempestade e domava as feras selvagens.

Talvez o gnosticismo tenha tido um efeito estimulante na arte, como o teve na teologia. Em todo caso, as seitas dos carpocracianos, dos basilidianos e dos maniqueístas estimavam a arte. A nacionalidade também tinha algo que ver com esta área da vida. Os italianos são, por natureza, um povo artístico, e moldaram seu cristianismo em conformidade. Portanto, Roma é proeminentemente o lar da arte cristã.

As ilustrações mais antigas nas catacumbas são artisticamente as melhores, e mostram a influência dos modelos clássicos na beleza e graça da forma. A partir do século IV, há um rápido declínio à rudez e rigidez, e uma transição para o tipo bizantino.

Alguns escritores [2] descreveram essa arte cristã primitiva meramente como arte pagã em sua decadência, e até o Bom Pastor, como uma cópia de Apolo ou Hermes. Contudo, se bem que a forma muitas vezes seja uma imitação, o espírito é totalmente diferente, e os mitos são compreendidos como profecias inconscientes e tipos das verdades cristãs, como nos Livros Sibilinos. A relação da arte cristã com a arte mitológica assemelha-se um tanto à relação do grego bíblico com o grego clássico. O cristianismo não podia de pronto inventar uma nova arte mais do que uma nova língua, mas emancipou a antiga do serviço à idolatria e à imoralidade, encheu-a de um significado mais profundo e consagrou-a a um alvo mais elevado.

Catacumba de Sta. Priscila, Roma.

A mistura das reminiscências clássicas com as ideias cristãs é melhor incorporada nas belas ilustrações simbólicas do Bom Pastor e de Orfeu. [3]

A primeira era a figura favorita, não só nas catacumbas, mas também nos objetos de uso cotidiano, como anéis, cálices e lâmpadas. Cerca de cento e cinquenta dessas ilustrações chegaram até nós. O Pastor, um apropriado símbolo de Cristo, é geralmente representado como um formoso, imberbe e gentil jovem, de vestes claras, com uma cinta e sandálias, com a flauta e o cajado pastoral, carregando um cordeiro em seu ombro, de pé entre duas ou mais ovelhas que o contemplam confiantemente. Às vezes ele alimenta um grande rebanho em pastos verdejantes. Se esta era a concepção popular de Cristo, estava em contraste com a ideia teológica contemporânea do aspecto disforme do Salvador, e antecipava a concepção pós-constantiniana.

A ilustração de Orfeu encontra-se duas vezes no cemitério de Domitila e uma vez no de Calisto. Uma delas, no teto de Domitila, aparentemente do século II, é especialmente rica: representa o misterioso cantor, sentado ao centro sobre um pedaço de rocha, tocando na lira suas encantadoras melodias para animais selvagens e domésticos — o leão, o lobo, a serpente, o cavalo e o carneiro — aos seus pés — e para os pássaros nas árvores; [4] em torno da figura central estão várias cenas bíblicas, Moisés ferindo a rocha, Davi apontando a funda para Golias (?), Daniel entre os leões e a ressurreição de Lázaro. O pagão Orfeu, reputado como autor dos hinos monoteístas (a Órfica), o centro de tantos mistérios, o fabuloso encantador de toda a criação, aparece aqui ou como um símbolo e tipo do próprio Cristo, [5] ou antes, tal como a pagã Sibila, como um antítipo e um profeta inconsciente de Cristo, a Ele anunciando e prefigurando como o conquistador de todas as forças da natureza, como o harmonizador de todas as discórdias, e como a autoridade sobre a vida e a morte.

Catacumba de Sta. Domitila, Roma.

REPRESENTAÇÕES ALEGÓRICAS DE CRISTO

As ilustrações de Cristo passaram a ser usadas lenta e gradativamente, conforme as concepções a respeito de sua aparência pessoal mudaram. Os Evangelistas mui sabiamente guardam profundo silêncio sobre o assunto, e nenhum ideal que o gênio humano possa conceber é capaz de fazer justiça Àquele que era Deus manifesto na carne.

Na era pré-nicena prevalecia a estranha noção de que o nosso Salvador, no estado de sua humilhação, era disforme, segundo uma interpretação literal da profecia messiânica: “não tinha aparência nem formosura”. [6] Essa era a opinião de Justino Mártir, [7] Tertuliano [8] e até dos espiritualistas teólogos alexandrinos, Clemente [9] e Orígenes. [10] Um sentimento veraz e salubre leva, antes, à visão contrária; pois que Jesus certamente não tinha a fisionomia de um pecador, e a pureza e harmonia celestiais de sua alma devem de alguma maneira ter resplandecido por entre o véu de sua carne, tal como certamente resplandeceu no Monte da Transfiguração. A deformidade física é incompatível com a ideia de sacerdócio do Antigo Testamento, quanto mais com a ideia do Messias.

Esses Pais, porém, tinham em vista apenas o estado de humilhação. O Redentor exaltado eles mesmos viam vestido de beleza e glória imarcescíveis, que passaria d’Ele, a Cabeça, também para a sua Igreja, em seu perfeito estado milenar. [11] Temos aqui, portanto, não uma oposição essencial feita entre beleza e santidade, mas tão somente uma separação temporária. Tampouco os Pais pré-nicenos pretendiam negar que Cristo, mesmo nos dias de sua humilhação, tinha uma beleza espiritual que cativava as almas suscetíveis. Assim Clemente de Alexandria distingue entre dois tipos de beleza, a beleza exterior da carne, que logo se esvai, e a beleza da alma, que consiste em excelência moral e é permanente. “Que o próprio Senhor”, diz ele, “não tinha formosura, o Espírito testifica por Isaías: ‘E nós O vimos, e não tinha aparência nem formosura; mas sua aparência era desprezível, inferior aos homens’. Entretanto, quem era mais admirável do que o Senhor? Contudo, não era a beleza da carne visível aos olhos, mas a verdadeira beleza, tanto da alma como do corpo, que Ele manifestava, a qual naquela é benevolência, e neste — isto é, na carne — , imortalidade”. [12] Crisóstomo foi além: ele compreendia que a descrição de Isaías se referia meramente às cenas da paixão, e extraiu sua ideia da aparência pessoal de Jesus do Salmo 45, onde ele é representado como “o mais formoso dos filhos dos homens”. Jerônimo e Agostinho tinham a mesma visão, mas àquele tempo não havia qualquer ilustração autêntica de Cristo, e a imaginação estava à mercê de suas próprias tentativas imperfeitas de apresentar o humano rosto divinal que refletia a beleza da santidade imaculada.

As primeiras representações de Cristo eram puramente alegóricas. Ele aparece, ora como um pastor que entrega sua vida pelas ovelhas [13] ou que carrega a ovelha perdida em seus ombros; [14] ora como o cordeiro que tira o pecado do mundo; [15] mais raramente como um carneiro, com referência à vítima substituta na história de Abraão e Isaque; [16] frequentemente como um pescador. [17] Clemente de Alexandria, em seu hino, chama Cristo “o Pescador dos homens que são salvos, que com sua amável vida apanha os peixes puros do hostil dilúvio no mar da iniquidade”.

Estela funerária com a inscrição ΙΧΘΥϹ ΖΩΝΤΩΝ (“O peixe da vida”), início do séc. III, Museu Nacional de Roma.

O símbolo predileto parece ter sido o do peixe. Era o duplo símbolo do Redentor e dos redimidos. O grego correspondente Ichthys é um anagrama copioso, contendo as iniciais das palavras: “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”. [18] Em algumas ilustrações, o peixe misterioso está nadando nas águas com um prato de pão e um cálice de vinho em suas costas, com evidente alusão à Ceia do Senhor. Ao mesmo tempo, o peixe representava a alma apanhada na rede do grande Pescador dos homens e seus servos, com referência à água do batismo, dizendo: [19] “Nós, peixinhos (pisciculi), nascemos de nosso Peixe (secundum ἸΧθΥΣ nostrum), Jesus Cristo, nas águas, e só podemos prosperar permanecendo nas águas”; isto é, se formos fiéis à nossa aliança batismal, e preservarmos a graça ali recebida. A imaginação piedosa fez do peixe um símbolo de todo o mistério da salvação cristã. O uso anagramático ou hieroglífico do grego Ichthys e do latim Piscis-Christus pertenciam à Disciplina Arcani, e era um testemunho da fé da igreja antiga na pessoa de Cristo como o Filho de Deus, e em sua obra como o Salvador do mundo. A origem deste símbolo deve ser rastreada além de meados do século II, talvez em Alexandria, onde havia um intenso amor pelo simbolismo místico, tanto dos ortodoxos como dos hereges gnósticos. [20] É familiarmente mencionado por Clemente de Alexandria, Orígenes e Tertuliano, e se encontra nos restos antigos nas catacumbas romanas, marcado em pedras tumulares, anéis, lâmpadas, vasos e murais. [21]

O símbolo do Ichthys caiu em desuso antes de meados do século IV, depois daí sendo achado apenas ocasionalmente como uma reminiscência de tempos idos.

Anteriormente à época de Constantino, não encontramos qualquer vestígio de uma imagem de Cristo propriamente dita, exceto entre os carpocracianos gnósticos, [22] e no caso do imperador pagão Alexandre Severo, que adornava sua capela doméstica, como um tipo de Panteão sincrético, com representantes de todas as religiões. [23] A ideia supramencionada da mal-apessoada aparência pessoal de Jesus, o completo silêncio dos Evangelhos sobre isso e a proibição de imagens do Antigo Testamento, restringiram a igreja de fazer ou ilustrações ou estátuas de Cristo, até que, na era nicena, uma grande mudança ocorreu, conquanto não sem oposição enérgica e prolongada. Eusébio nos dá, por observação própria, o mais antigo registro de uma estátua de Cristo, da qual se conta ter sido erigida pela mulher com o fluxo de sangue, junto com a própria estátua dela, em memória de sua cura, antes de residir em Cesareia de Filipe (Banias). [24] Mas o mesmo historiador, em uma carta à imperatriz Constança (filha de Constantino e viúva de Licínio), protestou veementemente contra as imagens de Cristo, o qual se despojara de sua forma terrena de servo, e cuja glória celeste transcende a concepção e a destreza artística do homem. [25]

ILUSTRAÇÕES DA VIRGEM MARIA

De Rossi: Imagines selectae Deiparae Virginis (Roma, 1863); Marriott: Catacombs (Londres, 1870, págs. 1–63); Martigny: Dict. sub “Vierge”; Kraus: Die christl. Kunst (Leipzig, 1873, p. 105); Northcote e Brownlow: Roma Sotter. (2ª ed., Londres, 1879, Pt. II., p. 133, ss.); Withrow: Catacombs (N.Y., 1874, p. 305, ss.); Schultze: Die Marienbilder der altchristl. Kunst e Die Katacomben (Leipzig, 1882, p. 150, ss.); Von Lehner: Die Marienverehrung in den 3 ersten Jahrh. (Stuttgart, 1881, p. 282, ss.).

Supunha-se outrora que nenhuma ilustração da Virgem existia antes do Concílio de Éfeso (431), que condenou Nestório e sancionou a theotokos, dando assim solene sanção e forte ímpeto ao cultus de Maria. Mas várias ilustrações são agora rastreadas, com um alto grau de probabilidade, ao século III, se não ao século II. Desde os primeiros cinco séculos, aproximadamente cinquenta representações de Maria têm até agora chegado ao conhecimento dos estudiosos, a maioria delas em conexão com o Salvador infante.

A mais antiga é um mural fragmentário no cemitério de Priscila: apresenta Maria usando uma túnica e um manto, em postura sentada, e segurando em seu seio o filho, que vira seu rosto para o espectador. Perto dela jaz um homem jovem e imberbe (provavelmente José) vestido com o pallium, portando um rolo em uma mão, apontando para a estrela acima com a outra, e olhando a mãe e o filho com a expressão de alegria; no meio e acima das figuras está a estrela de Belém; o todo representa a felicidade de uma família sem os adornos sobrenaturais da reflexão dogmática. [26] No mesmo cemitério de Priscila há outros afrescos, representando (segundo De Rossi e Garrucci) a anunciação pelo anjo, a adoração dos magos, e o descobrimento do Senhor no templo. A adoração dos magos (dois ou quatro, depois três) é uma parte favorita das ilustrações da sagrada família. Na ilustração mais antiga desse tipo no cemitério de SS. Pedro e Marcelino, Maria se assenta numa cadeira, segurando o bebê em seu colo e recebendo a homenagem de dois magos, um de cada lado, apresentando seus presentes em uma bandeja. [27] Em ilustrações posteriores, a manjedoura, o boi e o burro, e a estrela milagrosa são acrescentados à cena.

Catacumba de Sta. Priscila, Roma.

As ilustrações frequentes de uma senhora em atitude de oração, com braços erguidos ou estendidos (Orans ou Orante), especialmente quando encontrada em companhia do Bom Pastor, são explicadas pelos arqueólogos católicos romanos como significando a igreja ou a bendita Virgem, ou ambos combinados, orando pelos pecadores. [28] Entretanto, figuras tanto de homens como de mulheres orando são abundantes nas catacumbas, e amiúde representam a pessoa enterrada na tumba adjacente, cujos nomes algumas vezes são dados. Nenhum Ora pro nobis, nenhum Ave Maria, nenhum Theotokos ou Deipara aparece ali. As ilustrações das Orans são como as das demais mulheres, e não mostram quaisquer traços de mariolatria. Praticamente todas as representações nas catacumbas se mantêm dentro dos limites da história evangélica. Porém, depois do século IV, e na degeneração da arte, Maria foi ilustrada em mosaicos elaborados e em taças douradas como a rainha coroada do céu, assentada em um trono, em mantos púrpura com joias, com um nimbo de glória, adorada por anjos e santos.

Orante, Catacumba de Sta. Priscila, Roma.

As mais nobres ilustrações de Maria, nos tempos antigos e modernos, empenham-se por apresentar a união peculiar da pureza virginal com a ternura materna, que distingue “a Donzela Desposada e Mãe Virgem” das mulheres ordinárias, e exerce um encanto sobremaneira poderoso sobre a imaginação e as afeições da cristandade. Nenhum dos excessos da mariolatria, pecaminosos como são, dever-nos-ia cegar para o efeito limitante e elevatório de contemplar, com devota reverência,

“O ideal de toda feminilidade,
Tanta ternura, clemência, tanta força, bondade,
Tanta calma, paciência, zelo, amor e castidade”. [29]

________________________________

[1] Para detalhes, o leitor é encaminhado às grandiosas obras ilustradas de Perret, De Rossi, Garrucci, Parker, Roller, Northcote e Brownlow, etc.

[2] Raoul-Rochette (Mémoires sur les antiquités chrétiennes e Tableau des Catacombes), e Renan (Marc-Aurèle, p. 542, ss).

[3] Ver as ilustrações no final do volume.

[4] Cf. Horácio, De Arte Poët., 391, ss.

Silvestres homines sacer interpresque deorum
Caedibus et victufaedo delerruit Orpheus,
Dictus ob hoc lenire tigres rabidosque leones.

[5] Essa é a explicação de praticamente todos os arqueólogos desde Bosio, exceto Schultze (Die Katak., p. 105).

[6] Is 53.2, 3; 52.14; cf. Sl 22.

[7] Diálogo com o Judeu Trifão, cap. 4 (εἰς τὴν πρώτην παρουσίαν τοῦ Χριστοῦ, ἐν ᾖ καὶ ἄτιμος καὶ ἀειδὴς καὶ θνητὸς φανήσεσθαι κεκηρυγμένος ἐστίν); cap. 49 (παθητὸς καὶ ἄτιμος καὶ ἀειδής); 85, 88, 100, 110, 121.

[8] Adv. Jud., cap. 14: “ne aspectu quidem honestus”, e então ele cita Is 53.2, ss; 8.14; Sl 22. De carne Christi, cap. 9: “nec humanae honestatis corpus fuit, nedum calestis claritatis”.

[9] Paedag., III.1, p. 252; Strom., lib. II, cap. 5, p. 440; III, cap. 17, p. 559; VI.17, p. 818 (ed. Potter).

[10] Contra Celso, VI, cap. 75, onde Orígenes cita de Celso que a pessoa de Cristo não diferia das demais em grandeza ou beleza ou força, mas era, como registram os cristãos, “pequena, desgraciosa e ignóbil” (Τὸ σῶμα μικρὸν καὶ δυσειδὲς καὶ ἀγενὲς ἦ́ν). Ele admite o “desgracioso”, mas nega o “ignóbil”, e duvida do “pequeno”, de que não há qualquer evidência certa. Ele então cita a linguagem de Isaías 53, mas acrescenta a descrição do Sl 45.3, 4 (Sept.), que representa o Messias como um rei vestido de beleza. Celso usou essa falsa tradição da suposta fealdade de Jesus como um argumento contra sua divindade e uma objeção à religião cristã.

[11] Cf. Tertuliano, Adv. Jud., cap. 14 (Opera, ed. Oehler, II.740), onde ele cita Dn 7.13, segs., e Sl 45.3, 4, em favor da beleza e glória celeste do Salvador exaltado, e diz: “Primo sordibus indutus est, id est carnis passibilis et mortalis indignitate […] dehinc spoliatus pristina sorde, exornatus podere, et mitra et cidari munda, id est secundi adventus; quoniam gloriam et honorent adeptus demonstrator”. Justino Mártir faz a mesma distinção entre a humildade da primeira aparição e a glória da segunda. Diálogo com o Judeu Trifão, cap. 14 e cap. 49, etc. Assim também o faz Orígenes na passagem já citada.

[12] Paedag., lib. III, cap. 1, que trata da verdadeira beleza. Comparar também o último capítulo no segundo livro, que é dirigido contra a estima extravagante das mulheres por vestes e joias, e contrasta com esses ornamentos meretrícios a verdadeira beleza da alma, que “desabrocha da carne, exibindo a amável formosura do domínio próprio, sempre que o caráter, qual raio de luz, fulgura na forma”.

[13] João 10.11. Cf. acima, p. 276.

[14] Lucas 15.3–7; cf. Is 40.11; Ez 34.11–15; Sl 23.

[15] João 1.29; 1Pe 1.19; Ap 5.12.

[16] Gn 22.13.

[17] Cristo chama os apóstolos de “pescadores de homens”, Mt 4.19.

[18] ἸΧΘΨΣ = Ἰ-ησοῦς Χ-ριστὸς Θ-εοῦ Υ-ἱὸς Σ-ωτήρ. Cf. Agostinho, De Civit. Dei, XVIII.23 (Jesus Christus Dei Filius Salvator). O acróstico nos Livros Sibilinos (lib. VIII, vs. 217, ss) acrescenta a essa palavra σταυρός. Schultze (Katak., p. 129), não satisfeito com essa explicação, volta-se a Mt 7.10, onde peixe (ἰχθύς) e serpente (ὄφις) são contrastados, e sugerem um contraste entre Cristo e o diabo (cf. Ap 12.14, 15; 2Co 11.3). Bastante artificial. Merz deriva o símbolo de ὄψον (por isso ὀψάριον em João 21.9) no sentido de “peixe, carne”. Na Palestina, o peixe era, depois do pão, o alimento principal, e um acompanhamento salgado do pão. Ele figura proeminentemente na alimentação miraculosa da multidão (João 6.9, 11) e na refeição da Salvador ressurreto nas margens do Lago de Tiberíades (João 21.9, ὀψάριον καὶ ἄρτον). Por uma extensão alegórica, o peixe poderia assim ter-se tornado, para a mente da igreja primitiva, um símbolo do corpo de Cristo, como o alimento celestial que ele deu para a salvação dos homens (João 6.51).

[19] De Baptismo, cap. 1.

[20] Também Pitra, De Pisce symbolico, em “Spicil. Solesm.”, III.524. Cf. Marriott, The Testimony of the Catacombs, p. 120, ss.

[21] O monumento de Ichthys mais antigo conhecido até então foi descoberto em 1865 no Cœmeterium Domitillæ, uma parte até agora inacessível das catacumbas romanas, e é rastreado por Cavalier De Rossi ao século I, por Becker à primeira metade do século II. Está em um mural, representando três pessoas com três pães e um peixe. Em outras ilustrações, encontramos peixe, pão e vinho, com uma evidente alusão à alimentação miraculosa (Mt 15.17), e as refeições do Salvador ressurreto com seus discípulos (Lucas 24; João 21). Paulinus chama Cristo “panis ipse verus et aquæ vivæ piscis”. Ver as interessantes ilustrações em Garrucci, Martigny, Kraus, e outras obras arqueológicas.

[22] Irineu, Adv. Haer., I.25. Os carpocracianos asseveravam que até Pilatos ordenou que fosse feito um retrato de Cristo. Cf. Hipólito, Philos., VII, cap. 32; Epifânio, Adv. Hær., XXVI.6; Agostinho, De Hær., cap. 7.

[23] Apolônio, Orfeu, Abraão e Cristo. Ver Lamprídio, Vita Alex. Sev., cap. 29.

[24] H. E., VII.18. Cf. Mt 9.20. Provavelmente essa suposta estátua de Cristo era um monumento de Adriano ou algum outro imperador a quem os fenícios prestavam reverência, na forma de uma mulher ajoelhada. Representações similares são vistas em moedas, particularmente do tempo de Adriano. Juliano, o Apóstata, destruiu as duas estátuas, e substituiu por sua própria, que foi fendida por um raio (Sozomano, V.21).

[25] Um fragmento desta carta está preservado nos atos do Concílio iconoclasta de 754, e no sexto ato do Concílio de Niceia II, 787. Ver Eusébio, Opp., ed. Migne, II., col. 1545, e Harduin, Conc., IV.406.

[26] Ver a ilustração em De Rossi, Lâmina IV; Northcote e Brownlow, Lâmina XX (II.140); e em Schultze, Katak., p. 151. De Rossi (“Bulletino”, 1865, 23, conforme citado por N. e B.) declara que é ou coeva à primeira arte cristã, ou um pouco afastada dela, ou da época de Flávio ou de Trajano e Adriano, ou, o mais tardar, dos primeiros antoninos. “No teto dessa tumba jazia figurava em fino estuque o Bom Pastor entre duas ovelhas, e algum outro tema, agora praticamente desfigurado”. De Rossi respalda sua visão da alta antiguidade dessa Madona pelo estilo superior, quase clássico de arte, e pelo fato de que a catacumba de Priscila, mãe de Pudêncio, é uma das mais antigas. Mas J. H. Parker, um experiente arqueólogo, atribui essa ilustração a 523 A.D. O homem jovem é, segundo De Rossi, Isaías ou algum outro profeta; mas Marriott e Schultze referem-no como José, o que é mais provável, não obstante a tradição posterior da igreja grega, derivada dos evangelhos apócrifos e fortalecida pela ideia da virgindade perpétua, represente-o como um homem velho com muitos filhos de um casamento anterior (os irmãos de Jesus, convertidos em primos por Jerônimo e pela igreja latina). Northcote e Brownlow (II.141) comentam: “S. José certamente aparece em algum dos sarcófagos, e nos mais antigos deles como um homem jovem e imberbe, geralmente vestido com uma túnica. Nos mosaicos da Sta. Maria Maior, que são do século V, e nos quais aparece quatro ou cinco vezes, ele é mostrado na idade madura, se não velho; e desse tempo em diante, esse tornou-se o modo mais comum de representá-lo”.

[27] Ver Lâmina XX, em N. e B., II.140. Schultze (p. 153) rastreia essa ilustração ao início do século III.

[28] De acordo com a comum interpretação católica romana da visão apocalíptica da mulher vestida do sol, e dando à luz um filho homem (12.1, 5) O Cardeal Newman arrazoa inconclusivamente em uma carta ao Dr. Pusey em seu Eirenicon (p. 62): “Eu não nego que, sob a imagem da mulher, a igreja é significada; contudo, […] o santo apóstolo não teria falado da igreja sob esta particular imagem a menos que existisse uma bendita Virgem Maria, que era exaltada nas alturas e objeto de veneração de todos os fiéis”. Quando acompanhada pelo Bom Pastor, a Orans, segundo Northcote e Brownlow, deve representar Maria como a nova Eva, assim como o Pastor é o novo Adão. Deve-se admitir que o paralelo entre Maria e Eva é tão antigo quanto Irineu, e contém o germe frutuoso da mariolatria, mas nessas ilustrações nenhum contraste semelhante é apresentado.

[29] Poema “The Golden Legend”, por Henry Wadsworth Longfellow. [N. do T.].

Texto extraído e traduzido de History of the Christian Church, vol. II., págs. 274–284.

--

--