não é homem nem mulher, é bixa travesty

Miranda Almeida
Instituto LGBT+
Published in
3 min readJan 29, 2019

Obra resultante de destruição e recriação de Linn da Quebrada e todos os agentes que a cercam e auxiliam em sua construção quanto artista e quanto tra-ves-ti. Quanto bixa travesti.

Um documentário que é uma ode àqueles que lutam contra as amarras da genitalização de corpos, sentem na pele a marginalização da feminilidade e resistem a restrição de seus corpos às convenções sociais que lhe ditam sem parar.

Linn diz que bixa não é homem, nem mulher. Em suas músicas podemos ouvir também que travesti não é homem, nem mulher.
Minha curiosidade gritou mais alto ao abrir um artigo que falava dela, com um cabelo rosa que cativou meus olhos de imediato e hoje só posso me cobrir de gratidão por minha compulsividade de leituras espontâneas ter me levado a descobrir Linn tão cedo em seu crescimento profissional.

Desde então escuto seus versos e encontro conforto em algumas palavras. Não, não me sentia confortável em trechos que clamavam “mulher”. Lembro-me de sentar no palco para ver bem de perto sua performance e estremecer enquanto ela apontava e falava “mulher” para tantas pessoas na platéia. Me estremeci por ser um clamor magnífico do poder da feminilidade, mesmo essa sendo atrelada a palavra “mulher”, afinal, é mais uma das tantas construções sociais que nos moldam a cada dia. A frase que carreguei por muito tempo em minha mente e até hoje permanece fixa em mim faz parte da mesma música: não é homem nem mulher, é uma trava feminina.

O que constitui bixa ou travesti? Porque Linn e Jup já quebraram esses conceitos perfeitamente delimitados que acreditamos ter só uma significação por tanto tempo.
Se me vejo como trava feminina que não é homem nem mulher, onde é que existe o espaço para questionarem como me sinto?

A necessidade de esclarecer minha existência cresce a cada dia. Sou um corpo nascido feminino que busca se masculinizar para provar-se afeminado novamente, pois nascer com o feminino jamais será a mesma coisa que afeminar-se. Ambos são performances que aprendemos, moldamos, e elas não coexistem no mesmo espaço.

Nascer feminino nos submete a torturas, abusos, limitações e descrença à nossos corpos, ações e comportamento.
Afeminar-se nos leva a quebra de ruptura do que esperavam de nós, é abraçar o que nos impuseram para nos inferiorizar e transformar em qualidade, força e reafirmação de um corpo que já não é mais nada que a sociedade pode determinar quanto homem ou mulher.

Podia muito bem eu me apropriar exclusivamente do masculino, que nos traz tantos benefícios e privilégios, mas afeminar-se é ainda mais afrontoso. Afeminar-se abraça o masculino ao mesmo tempo que o ridiculariza, mas o atrai simultaneamente. Afeminar-se não pode ser lido dentro de submissão ou dominação apenas, é um constante questionamento da surpresa que irá trazer em seu sexo. Afeminar-se não obedece as expectativas do ser mulher de cabelos longos, depilação em dia, peito e voz suave. Afeminar-se carrega em si trejeitos aviadados demais: com pelos, sacanagem, cafonice, glamour e deboche, ao mesmo tempo que carrega acolhimento, sensibilidade e expressão pura, livre e ilimitada.

Não é pau que dita homem, mulher ou travesti, não é macho que vai mais apontar e nomear o que somos e quando somos. Somos o que queremos ser e ser travesti incomoda demais e envolve gente demais pro gosto do opressor.

Nascer no feminino faz com que tenham muito medo de mim com qualquer ideia que fuja do que desejaram, faz com que seja inconcebível imaginar o que seria eu vagueando entre os extremos. Porque mulher masculina é sapa e mulher feminina é mulher (e puta), mas o que será que é a masculina afeminada?

Também é bixa travesty, porque minha identidade não tem nada a ver com xota e pau.

Miranda Almeida é atleta-afetiva que pensa e produz através da dança e do design, afetando corpos e afrontando medos. Cria desejos além dos binarismos e pesquisa curiosidades de conhecimentos eventuais. Ser místico que compõe a equipe de esoterismos e comunicação do Instituto LGBT+.

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Miranda Almeida
Instituto LGBT+

corpo não-binário, corpo de afetos que se fortifica no exercício de afetar outras pessoas. atleta-afetivo.