É o amor que dá esperança, mesmo nos tempos mais sombrios

Música, Poesia, Espiritualidade e Paternidade

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
4 min readSep 26, 2017

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Foto: Stéfanie Graindlair-Laroche. Flickr

Quais questões existenciais os compositores clássicos viveram no momento em que escreveram obras que perpassam o tempo? Que impulsos existenciais se fazem presentes na escolha de determinado tema e na construção da harmonia da forma como fizeram? Wagner fez uma opção deliberada por Tristão e Isolda, ao compor sua ópera? Isso veio do acaso? Ou Puccini ao nos trazer Madama Butterfly? Tais criações não surgem de um lugar obscuro na memória. São experiências vivas que mostram o quanto aquilo que fazemos diz muito sobre nós. Somos representações daquilo que vem ao mundo através do nosso trabalho e criação. Infelizmente vemos pessoas que fraturaram aquilo que realizam daquilo que são. Vã ilusão. Somos do tamanho e da estatura daquilo que entregamos ao mundo através do nosso trabalho.

Escrever sobre a vivência e seus reflexo na obra musical é o projeto pessoal que mais me encanta atualmente, sempre que consigo tempo para investir nisso. Não há pressa. Apenas a persistência de pesquisar, ouvir e construir minha visão histórica das motivações que nos trouxeram obras tão impactantes. Ouvimos de forma singular quando conhecemos as motivações do compositor. Entre a história de algumas obras e compositores, há um ponto de interseção presente em várias delas: a experiência do amor.

O amor se manifesta na obra como uma forma de organizar e por à prova, muitas vezes sem saída clara, tal qual o labirinto de Creta, suas mais singulares, dramáticas e expressivas vivências afetivas. A pulsão do amor movimenta o artista e sua obra. Vai além disso, pois, ao comunicar o estado interno do compositor, conecta o ouvinte e provoca sua sensibilidade e experiência, alcançando frequências do que é supremo na vida.

A humanidade tem investido ao menos dois árduos milênios para comprovar que é impossível definir o amor de forma plena, apesar de tentativas que nos encantam. O amor é misterioso e irreal. É inacessível à lógica e qualquer consideração racional. Algumas da mais sensíveis mentes humanas tem procurado se refugiar na poesia para tocar o amor nas pontas dos dedos, sem conseguir segurar o amor em sua dimensão maior.

Não há em nosso mundo realidade comparável ao amor. Suas infinitas facetas ofuscam qualquer visão pré-determinista. Por obra e graça do nascimento do amor se mantem viva a esperança que alivia a seca marcha da história. É o amor que dá esperança, mesmo nos tempos mais sombrios. O amor é o mais poderoso construtor de utopias. Dizem que o amor é cego, mas é justamente o contrário porque é a existência dele que elimina a cegueira e nossa capacidade de ver além da realidade mais imediata. O amor não é estático e vive a dinâmica do pulsar afetivo.

Correspondido ou não, o amor é um milagre universal que põe em cheque nossa finitude pessoal. Frente a realidade oculta da morte, se ergue a realidade possível do amor. A morte é um mistério. A presença do amor pelo ser amando, tenha ele ou não já passado pela morte, supera o absoluto da ausência. O amor manifesta uma necessidade de atos contínuos. Ou ainda, de sede que não encontra repouso e só encontra sentido em continuar amando. O amor recria em nossa vida finita a consciência da infinitude divina. Sua fragilidade provoca, inquieta e, quando ausente, nos condena ao inferno da apatia.

É o amor que, de fato, torna o mundo habitável.

Há um ano e três meses atrás descobri o que é ser pai. Desde então me ouvi falando para ele coisas que brotam da alma. A razão chega depois para referendar, mas a origem está em espaço no meu íntimo que agora começa a ser explorado. Disse, por exemplo, que o meu amor será sempre maior do que a imaginação dele alcançar. Há coisas que julgamos o difícil entendimento dos nossos pais. Mas o amor abraça qualquer insegurança se seremos ou não compreendidos. Tal sentimento projeta nossa relação com Deus. Ele vai sempre além. Enquanto o ser amado apresenta naturais inseguranças, o ser que ama tem, dentro de si, a certeza do amor incondicional. Ouvir música com o meu filho é um dos nossos espaços particulares de afeto e declaração amorosa, mesmo que através de um sorriso ou da cabeça que encosta no ombro e ali repousa.

Carlos Netto. Diretor de Estratégia e Organização do Banco do Brasil. Graduado em História Social (UFRJ), Mestre em Comunicação Social(UFRJ) e Mestre em História das Relações Internacionais (UERJ)e Doutor em Psicologia Social (USP).

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