É POSSÍVEL PERDOAR UM RACISTA?

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readNov 20, 2017

20 de novembro, Dia da Consciência Negra

Foto: Autoria não identificada

Dois fazendeiros brancos espancaram e obrigaram um jovem negro a entrar num caixão de madeira, na África do Sul. Ameaçaram enterrá-lo e queimá-lo vivo e reclamaram que “eles (os negros) ‘matavam’ suas propriedades”. Gravaram a cena, que ganhou as redes sociais. A revolta foi imediata. Os fazendeiros foram identificados, presos e, no mês passado, condenados à penas de até 19 anos de prisão. As cicatrizes do apartheid ainda latejam por lá, mesmo após mais de 20 anos do fim do regime segregacionista. Do lado de fora do fórum, um homem inconformava-se: “Por quê? Por quê? Por que eles ainda fazem isso, mesmo depois de nosso ‘pai’ Mandela tê-los perdoado? ”

Alguns anos atrás, em São Paulo, o menino negro Douglas, de 17 anos, brincava com amigos na rua de sua casa. A Polícia foi até lá para atender um chamado de ‘perturbação de sossego’, um barulho acima da cordialidade praticado por vizinhos que organizavam uma festa no local. A viatura se aproximou de Douglas e um tiro foi ouvido. Perplexo por ser alvejado, suas últimas palavras antes de morrer foram: “senhor, porque o senhor atirou em mim?”. A PM disse que atirou acidentalmente. Uma arma gratuitamente apontada para o peito do menino preto. O dedo no gatilho. Uma fatalidade, segundo o poder público.

Grafite no calçadão Douglas Rodrigues, em frente ao Centro Cultural da Juventude, na Vila Nova Cachoeirinha, zona norte, SP. Seguimos perguntando: por que o senhor atirou em mim?

Há poucos dias um vídeo do jornalista e apresentador William Waack ganhou também as redes sociais. Nele o jornalista, irritado após ouvir o estridente som de uma buzina, virou para o colega que seria entrevistado e jocosamente creditou o comportamento inadequado como “coisa de preto”. Acabou sendo afastado da emissora onde trabalhava.

Porém, nesse caso, não demorou muito para que Waack ganhasse a solidariedade dos colegas de profissão, de admiradores e de gente que acha que toda revolta com a exibição do vídeo seja apenas melindre, um “mimimi”. A polêmica jornalista Rachel Sheherazade escreveu que o afastamento do colega de sua função num dos mais importantes noticiários da tevê foi a vitória do “hipocritamente correto”.

Mas, será que um racista deve ser perdoado?

Talvez devêssemos responder que sim, obviamente. Afinal, todos merecem perdão e chance de se redimir. Mas se racismo é crime, a exemplo do roubo, furto, assassinato, estelionato entre outros previstos no código penal, o racismo traz um componente singular. Não se trata de um ato apenas, mas da erupção do sentimento de racismo latente dentro do racista. Um racista não se arrepende e nem evita pensar o que pensa. Talvez se arrependa das consequências de verbalizar isso, mas não do que sente. Não do desprezo, da repulsa e do preconceito.

E o preconceito é algo que jamais deveria ser relativizado. Especialmente o racial. Não há outro caminho que não seja o de identificar e admitir nosso racismo. De se arrepender e expulsá-lo, tal como um parasita, um demônio que é. O racismo é uma blasfêmia. E me refiro mesmo ao significado da palavra blasfemar, que é a expressão que insulta ou ofende o que é considerado digno.

Blasfêmia que está na condição de “imperdoável”, “pecado eterno”, segunda a Bíblia, livro sagrado aos cristãos, quando dirigida ao Espírito Santo. De acordo com São Tomás de Aquino, a blasfêmia é “imperdoável por sua própria natureza, porque exclui aqueles elementos graças aos quais é concedida a remissão dos pecados”. Em outras palavras, a blasfêmia reivindica o seu pretenso ‘direito’ de perseverar no mal, de ser ‘politicamente incorreto’, sem culpas.

Não, não há desculpas para quem acredita que seu racismo seja apenas uma questão de opinião particular.

Marcelo Santos é jornalista e escritor. Escreveu para as principais publicações evangélicas brasileiras. Atualmente trabalha como ghostwriter e escreve reportagens para publicações do SESC e da Rede Brasil Atual. É pai de Guilherme, Caio e Gustavo.

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