A “BANCADA EVANGÉLICA” E O FESTIVAL DE CONCESSÕES DE EMISSORAS DE RÁDIO E TELEVISÃO

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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5 min readJun 5, 2018

Por Valdemar (Dema)

Foto: Palácio do Planalto, 15/01/2018

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI)

“A Constituição de 1988 determinou como uma das atribuições do Congresso Nacional a apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens fato que ocasionou um grande incremento nos trabalhos da CCTCI.”[1]

Pesquisas retratam a formação e afirmação da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática — CCTCI. Antônio Flávio Pierucci, Paul Freston, Paulino Motter e Valdemar Figueredo Filho, dentre outros, estudaram como grupos evangélicos na Constituinte entenderam como funcionava o processo de concessões de emissoras de rádio e televisão.[2]

Digo no meu livro que “a Subcomissão de Ciência e Tecnologia e de Comunicação foi instalada no dia 7 de abril de 1987. A composição entre PMDB e PFL levou à presidência da Subcomissão o deputado Arolde de Oliveira (PFL-RJ)” (FIGUEREDO FILHO, 2010, p. 34).

Paulino Motter (1994) demonstra empiricamente como as concessões de emissoras de rádio e televisão foram utilizadas como “moeda de troca” no contexto da Assembleia Nacional Constituinte. Festival de concessões no governo do presidente José Sarney enquanto contrapartida para formação de maiorias no legislativo federal.

Entre outras atribuições regimentais vigentes, importa destacar que cabe à Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática “Outorga e renovação da exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens”, bem como tratar do “regime jurídico das telecomunicações e informática”.

A visibilidade dos evangélicos no Brasil e no Congresso Nacional passa necessariamente pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.

A dedicação da bancada evangélica à “agenda moral” tem um quê de cortina de fumaça. Em uma comunidade de fé, seria complicado o cara chegar e dizer “olha, precisamos estar no Congresso com tantos deputados porque precisamos de concessão de rádio e televisão”. Não é um discurso simpático, é pragmático demais para alguns. Mas se você vai diante do mesmo grupo e diz que precisa combater a “onda gay”, como eles dizem, já tem outra adesão.

Em artigo na Revista Gênero e Número, Carolina de Assis e Vitória Régia da Silva preveem que, por expansão na Câmara, bancada evangélica deve intensificar discurso conservador em campanha eleitoral.[3]

A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática é formada por 42 deputados titulares. Desses, em levantamento feito pelas jornalistas da Revista Número e Gênero, 12 são da “bancada evangélica”.

A propósito, entre as 25 comissões permanentes da Câmara dos Deputados, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática é a que possui o maior número de titulares que são membros ativos da chamada bancada evangélica.

É recorrente a confusão entre “bancada evangélica” e “Frente Parlamentar Evangélica”. Enquanto a “bancada” é definida pela representação explícita das Igrejas, os signatários da “frente” não são necessariamente membros dos grupos religiosos. Estão mais para simpatizantes das igrejas evangélicas do que para crentes que respondem a tais estruturas eclesiásticas.

Vamos aos nomes e as redes de comunicação que representam:

Trocando em miúdos, os 12 membros titulares da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), muito provavelmente:

1) atendem primeiro aos “domésticos da fé”;

2) são usuários das redes de comunicação que representam;

3) sabem que suas bases eleitorais são constituídas pelos ouvintes e telespectadores dessas redes;

4) o poder político que possuem está relacionado ao poder midiático que dispõem;

Igrejas midiáticas de propriedade de tele-evangelistas se impõem no cenário nacional pela crescente força política. A dedicação da bancada evangélica à “agenda moral” é tão importante quanto a capacidade de se beneficiar das concessões de emissoras de rádio e televisão.

Adaptando o provérbio árabe, “Os cães ladram e a caravana passa….”. O sentido original do provérbio é que os destemidos e corajosos seguem adiante ainda que muitas sejam as palavras de críticas ou injúrias.

Mas, aqui na nossa conversa sobre a “bancada evangélica”, lamento identificar que a marcha convicta de setores das igrejas evangélicas, entusiasmados pelo sucesso, seja uma marcha insana. O grito não parte dos detratores, mas daqueles e daquelas que amam a Jesus, e por decorrência a igreja, e lamentam tamanhos desvios de rotas e distorções de valores.

[1] Fonte: Câmara dos Deputados. Comissões. Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática — CCTCI. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cctci/conheca-a-comissao/historico-e-atribuicoes>. Acesso em: 30 maio 2018.

[2] PIERUCCI, Antonio Flávio; PRANDI, Reginaldo. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1996.

MOTTER, Paulino. A batalha invisível da Constituinte: interesses privados versus caráter público da radiodifusão no Brasil. 1994. Dissertação (Mestrado) — Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Brasília, 1994.

FRESTON, Paul. Protestantes e política no Brasil: da Constituinte ao Impeachment. 1993. Tese (Doutorado em Sociologia) — Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1993.

FIGUEREDO FILHO, Valdemar. Coronelismo eletrônico evangélico. Rio de Janeiro: Ed. Publit, 2010.

[3] ASSIS, Carolina de; RÉGIA DA SILVA, Vitória. Por expansão na Câmara, bancada evangélica deve intensificar discurso conservador em campanha eleitoral. Revista Gênero e Número. Disponível em: <http://www.generonumero.media/>. Acesso em: 30 maio 2018.

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor, Pastor, Escritor e Diretor/Editor do Instituto Mosaico. Doutor em Ciência Política (IUPERJ) e doutorando em Teologia (PUC-RJ)

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