A ELEIÇÃO DA DÚVIDA E O EXEMPLO PORTUGUÊS

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readAug 3, 2018

Por Cleinton Gael

Foto: Divulgação

O momento político brasileiro é algo de tão estranho e singular que coloca dúvidas na cabeça de qualquer um, já que ninguém hoje é capaz de minimamente dizer o que se pode esperar das eleições que se aproximam. Isso se justifica pelo fato de o líder nas pesquisas de intenção de voto, Luiz Inácio Lula da Silva, estar preso, o segundo colocado, Jair Bolsonaro, ser o que se pode chamar de “salvador da pátria em tempos de crise”, sendo que não consegue esconder suas posições extremamente intolerantes, polêmicas e radicais, além de outros candidatos que, por vaidade ou outro fator qualquer, não conseguirem fazer justo contraponto a uma lógica política viciada, o que, se feito, poderia nos oferecer uma plataforma progressista que se mostrasse como unida e relevante para a democracia no país.

Embora o espectro político esteja cada vez mais difícil de ser delimitado, é sabido que estamos diante de uma possibilidade de — vencido o período Temer — retornar a uma tentativa de se voltar a estabelecer um estado de bem-estar social, distribuindo minimamente as oportunidades e gerando um enfrentamento das desigualidades sociais — ainda que timidamente, como aconteceu nos governos petistas — ou, por outro lado, um aprofundamento de políticas neoliberais de estado mínimo, privatizações de empresas públicas e retirada de direitos sociais, como já aconteceu com vários dos direitos trabalhistas, e que poderá acontecer com direitos previdenciários, por exemplo.

Ainda que o argumento falacioso tente mostrar que “todos os partidos são iguais e que nada mudará com um ou outro no poder”, é importante tentarmos separar posturas e discursos que diferenciam, e muito, uma plataforma política de outra, o que nos coloca em posição de fazermos escolhas que se mostrarão completamente diferentes, a depender do candidato e partido escolhidos. Exemplo disso é o enfrentamento do discurso de que “se precisa de um governo de centro, pois o país não pode continuar dividido”, como se isso, pensar de forma oposta ao mainstrean, fosse um problema, o que não é, já que é até base para uma democracia aperfeiçoada, o que todos deveríamos buscar.

Torna-se fundamental, pois, escolhermos, sim, um lado, pois, em um ambiente claro de luta de classes, não se pode engolir em seco uma ideologia que se quer universal, mas que, ao fim e ao cabo, representa pura e simplesmente a vontade de uma classe que há tempos está no topo da pirâmide social, fazendo o possível e o impossível para não ser lá incomodada. Deste modo, se um partido — independentemente de se declarar de direita, centro, centro-esquerda ou o que quer que seja — se mostra favorável à reforma previdenciária e aos imensos prejuízos que a reforma trabalhista já trouxe, como uma taxa histórica de informalidade, queda nos postos de trabalho com carteira assinada e precarização das relações de trabalho, sobretudo com o chamado “contrato de trabalho intermitente”, deve, sim, ser diferenciado de outro que, também a independer da autodeclaração de posicionamento no espectro político, se mostrar contrário às reformas que só têm trazido austeridade e empobrecimento da população, tão espoliada de seus direitos, algo que já tem enfrentado ferrenha oposição em países como França e Argentina, apenas para citar dois dos que já caíram na falácia neoliberal que afirma que “sem tais reformas, o país quebrará”.

Se muitos acham que a única saída é esse amargo remédio sugerido pelas políticas neoliberais, que já quebraram e não conseguem tirar da quebradeira a Grécia, por exemplo, e não trouxeram um mínimo de melhoria na qualidade de vida dos trabalhadores nos países onde foram implantadas, seria muito benéfica uma olhadela para Portugal, quase sempre considerado “o patinho feio da Europa”, no intuito de perceber que, na contramão do que sugeriu o FMI, isto é, ao contrário de aceitar o remédio amargo imposto pelos “conselhos” da política do Fundo Monetário Internacional, conseguiu sair de uma gravíssima crise econômica, mas sem mexer nos direitos conquistados após centenas de anos por seus cidadãos e cidadãs. Todavia, se não quisermos seguir o exemplo português, já que o mesmo nem está sendo citado em qualquer dos grandes meios de comunicação de massa, tal como temos diariamente percebido, que ao menos evitemos usar Portugal como motivo de chacota e piada, uma vez que burro é aquele que não conhece essa do português.

liberdade, beleza e Graça…

Cleinton Gael Graduado em Artes Cênicas, Teologia e Ciências Sociais. Mestre em Sociologia e Direito pela UFF e Doutor em Sociologia pelo IESP-UERJ. Pesquisador de Relações Raciais no Brasil, Sociologia da Religião e Teoria Sociológica. Professor de Sociologia, Filosofia e Ética do Instituto Federal do Espírito Santo — IFES.

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