A Grande Viagem

Valdemar Figueredo
Instituto Mosaico
Published in
3 min readAug 11, 2017

Olhar pela janela, buscar horizontes, e estimular entendimento sobre o mundo além da percepção mais imediata

Fotografia: Valdemar F Filho

Este artigo é dedicado ao início dos trabalhos do Instituto Mosaico. Da sua janela vê-se um dos maiores e mais conhecidos monumentos naturais: o Pão de Açúcar e o Morro da Urca. Há quem julgue que seu nome faz referência aos pães doces tão conhecidos em nosso cotidiano. Pão era um instrumento utilizado nos engenhos para produção do açúcar mascavo. Na forma de cone, em maior escala, o melaço da cana era lançado, ainda quente, na base do instrumento que tinha uma abertura em sua extremidade, na ponta diametralmente oposta da base. Na pequena abertura ficava o açúcar cristalizado que, ao ser raspado, originava o açúcar mascavo.

E a Urca? Urcas eram embarcações holandesas. Sua construção era típica por ser abaulada e capaz de levar grande quantidade de mercadorias. As urcas cruzaram os oceanos e fizeram os holandeses, hábeis no comércio, serem reconhecidos como “formiguinhas do mar”. Portanto, Pão de Açúcar faz referencia ao principal instrumento de produção do açúcar mascavo. E o morro (da Urca) ao sistema de transporte do açúcar, sua distribuição do ponto de vista comercial. Um dos primeiros portos do Rio ficava localizado próximo ao monumento natural formado pelos dois morros, ponto de chegada, no Brasil, e partida, para o mundo, do açúcar mascavo vindo dos engenhos do interior do Estado do Rio de Janeiro.

Cultura inútil? Talvez. Trata-se de uma paisagem presente em nosso cotidiano, mas longe do entendimento que originou sua denominação e nos apresenta um problema. Até hoje nossas riquezas se vão sem cerimônia. Jovens procuram horizontes e oportunidades em outros países diante da falta de oportunidades. Cientistas cruzam os oceanos em busca de infraestrutura para suas pesquisas. O resgate da origem e significado histórico das coisas poderia auxiliar na compreensão dos nossos desafios como nação. Monumentos presentes em nosso cotidiano podem oferecem rumos na tomada de consciência se soubermos seus significados, a partir de novas leituras.

Eis uma das missões do Instituto Mosaico: nos fazer olhar pela janela, buscar horizontes, e estimular entendimento sobre o mundo além da percepção mais imediata e, por vezes, banal.

Toda construção do conhecimento é uma viagem. Mário Bergóglio (Papa Francisco) chama atenção para o significado da palavra “pontífice”. Algo que normalmente nos passa sem atenção devida, como tantas outras palavras. “Pontífice” é, na verdade, um “construtor de pontes”. No caso do Papa, a ponte entre “o mundo de Deus” e “o mundo dos homens”. Bergóglio adverte que tal aplicação é uma questão de fé.

No entanto, independente das escolhas religiosas, mesmo um ateu é convidado a exercer sua humanidade como pontífice construindo pontes entre o mundo da subjetividade e das ideias frente ao mundo material, dos objetos e da natureza. Há quem viva no mundo das ideias sem conseguir aplicar sua subjetividade na transformação do mundo natural, concreto. Há também quem fique restrito ao mundo concreto, material, sem usufruir dos horizontes proporcionados pela subjetividade.

Não é incomum, no mundo do trabalho, contato com pessoas que fazem as mesmas coisas sem enxergar horizontes. Tudo é feito sempre do mesmo jeito, de forma mecânica e desprovida das capacidades de aprimoramento e transformação na forma de fazer — da técnica aplicada ao objeto, de forma criativa. Por outro lado, não é incomum pessoas com grande capacidade inventiva, mas sem recursos para aplica-las, com gestão ineficiente na condução objetiva de tais ideias em contato com a natureza das coisas. Nosso grande desafio humano é fazer a ponte, ser pontífice, entre a subjetividade (ideias) e a transformação da natureza e do espaço da nossa existência. Eis a grande viagem humana e missão do Instituto Mosaico.

Carlos Netto. Diretor de Estratégia e Organização do Banco do Brasil. Graduado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Mestre em História das Relações Internacionais pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.

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