A mudança ecológica do coração

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readAug 14, 2017

Crise do antropocentrismo moderno

A carta encíclica laudato Si` de Papa Francisco, causou-me a mais profunda impressão. O Papa transforma um tema complexo, um emaranhado de nós como é a questão ecológica, num texto simples, poético, direto e clarificador.

O pastor, bispo de Roma, não releva o processo destruidor inerente à própria natureza, simbolizada nos suspiros vulcânicos; não desconhece a voragem destrutiva que subjaz a alguns ciclos naturais da terra, que são anteriores à cultura da industrialização. Entretanto, mira sua palavra profética não no que haja de imponderável e inevitável nos ciclos da terra, mas no previsível e evitável desastre que o mundo humano tem provocado sobre o planeta, por sua destruidora forma de habitação nele.

Lembro-me do teólogo Rubem Alves dizer uma vez algo como: eu que andava preocupado com a minha morte, agora fiquei sabendo que a terra está morrendo! Essa frase tão despretensiosa quanto sábia, aponta com agudeza o que Francisco chamou de crise do antropocentrismo moderno. O planeta agoniza e nós, porque ilusoriamente colocados no pedestal do processo evolucionário, não conseguimos perceber que a morte da Vida é maior do que a morte da nossa pequena vida.

Entendendo a teologia como a súplica insistente da fé quando a vida está sob ameaça, é compreensível que o eixo salvacionista seja a melodia mais entoada, em todos os tempos, pelo povo que crê. É por isso, por exemplo, que as teologias da salvação ocupam grande parte das páginas bíblicas e da história do cristianismo. O Deus salvador do êxodo é a matriz dessa grande linha que costura civilizações influenciadas pelo monoteísmo judaico cristão, matriz que abarca a necessidade arquetípica de povos e pessoas de serem libertos das amarras das injustiças, da dominação, da vida ameaçada pela morte.

Mas — e aqui a figura do pobre de Assis se faz sentir na carta do pastor Francisco de forma contundente — é preciso redescobrir as teologias da criação, as teologias do Deus criador, fazedor, cuidador e mantenedor de todas as coisas. Redescobrir também as cristologias doxológicas, cósmicas, não a despeito mas junto às cristologias de cunho soteriológico.

A teologia é súplica insistente da fé quando a vida está sob ameaça, mas é também louvor da graça que aplaude o espetáculo do Vivente que dorme na pedra, respira na planta, grita no animal e agradece no humano. O papa dá destaque a esse ponto ao evocar a força da espiritualidade da igreja do oriente, mais doxológica, mais aberta a captar o Cristo presente tanto na gota de orvalho quanto no sacramento eucarístico. Mais Francisco de Assis e sua gratidão pelo imerecido direito de viver e menos o tecnocrata do nosso tempo com sua obsessão por tudo o que dá lucro, que faça render, que seja manipulável.

Edson Fernando de Almeida. Escritor, Doutor em Teologia (PUC-Rio). Pastor da Igreja Cristã de Ipanema

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