A SORTE E O PROTAGONISMO

Pensando a política brasileira atual

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
3 min readSep 19, 2022

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Por Fernando Roberto de Freitas Almeida

O presidente Jair Bolsonaro em Brasília — Gabriela Bilo — 25.ago.22 Folhapress

Um dos conselheiros políticos mais influentes da História, Nicolau Maquiavel (1469–1527) é fonte permanente de estudos em Ciência Política. Sua erudição o levou pelos caminhos da História, Filosofia, diplomacia, e até atuou como dramaturgo e, em associação, como músico. Ao analisar Estados e governos como realmente são e, não como deveriam ser, lançou bases para visões realistas do poder e da sociedade. Injustamente, de sua obra mais conhecida, “O Príncipe”, derivaram o adjetivo maquiavélico e o substantivo maquiavelismo, como sinônimos de perfídia, astúcia maliciosa, com a ideia de que os fins justificam os meios. Contudo, entre as qualidades necessárias a um bom governante, deveriam estar os princípios morais, a caridade, a bondade e a religiosidade, a partir do Cristianismo dominante em sua época.

Dois de seus conceitos são usualmente citados em análises da política moderna — e de qualquer tempo: a fortuna e a virtú, que caracterizariam as ações dos governantes. O primeiro termo não tem ver com a palavra homógrafa em português, pois significa sorte. O segundo também não pode ser equiparado à “virtude”. De fato, significa protagonismo, as habilidades para exercer e manter o poder.

Pensando a política brasileira atual, no que se refere ao “supremo mandatário”, evidentemente, contou com a “fortuna” para chegar ao poder: teve a sorte de contar com um movimento conservador/reacionário em ascensão (não apenas no Brasil), com o apoio dos grandes meios de comunicação que, mesmo não simpatizando com seus maus modos, opunha-se à alternativa progressista, Tal movimento usou de todos os artifícios, legais ou não, para leva-lo à vitória eleitoral, após ações de lawfare, um ativismo jurídico inusitado, que excluiu o candidato mais forte das esquerdas da competição, além de um atentado que o retirou de debates, nos quais suas imensas deficiências intelectual e moral se destacariam.

Esta é parte da fortuna. E a virtù? Como foi o desempenho do eleito que agora quer a reeleição? Grande parte da fortuna já se esvaiu. No mundo real, foi insensível a aos problemas sociais, comportou-se de modo assustador frente a uma pandemia mortífera, isolou o Brasil no mundo, ignorou a fome, incentivou a destruição ambiental, estimulou misoginia. Não pode mais contar com outro fato tão impactante quanto aquele atentado; a grande imprensa não conseguiu emplacar um candidato mais próximo de seus projetos e o principal opositor trouxe a seu lado um grande nome do antigo partido predileto dos principais meios de comunicação, procurando aparar arestas, com vistas a conter o processo protofascista em curso. Se virtù significa também capacidade de adaptação às mudanças da fortuna, um político como o atual presidente, incapaz de ser algo diferente do que sempre foi como deputado, só pode contemplar altíssima rejeição. Contudo, todos os brasileiros podem observar que fortuna, em termos do nosso idioma, o mandatário e sua família realmente amealharam com sucesso.

Fernando Roberto de Freitas Almeida

Carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenador do Curso de Relações Internacionais

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