Amores, famílias e expectativas

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readAug 9, 2017

Relações familiares no Brasil, grandes transformações

Fotografia: Toni Montalvo, Barcelona, Espanha

“União estável entre três pessoas é oficializada em cartório de Tupã, SP”; “Adolescente consegue seu registro de nascimento em nome do pai biológico e do pai socioafetivo”; “Supremo Tribunal Federal reconhece a união estável homoafetiva”; “Troca de mensagens por WhatsApp é usada como prova de suposta paternidade”. Há bem pouco tempo, estas notícias estariam restritas aos espaços jurídicos, aos Fóruns e às aulas de Direito. Contudo, em um modelo de sociedade como a que vivemos, integrada e conectada por meio da internet e das redes sociais, quase sempre nos deparamos com notícias como as que começaram este texto.

A partir delas, opiniões se formam, julgamentos são feitos. De um lado, surgem os defensores das tradições familiares, do outro, aqueles que creem em tempos de uma ampla possibilidade de escolha na construção das relações amorosas, afetivas e sexuais. Qualquer que seja a posição tomada, paixões são despertadas, pois pensar em família traz sempre uma percepção de nós mesmos, nossos vínculos e amores. Além disso, pensarmos em família é refletirmos sobre algo que é parte de nós e de nossas tradições sociais, sejam no campo da moral, dos costumes ou da religião. Sem falarmos que as expectativas postas sobre as famílias trazem em si uma promessa de compromisso e felicidade, de superarmos o medo da solidão e da morte.

Esta grande expectativa sobre as famílias e seus desdobramentos talvez seja explicada pela complexidade do momento atual, cheio de impermanência das relações e de mudanças sociais e econômicas drásticas, dentro do que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman identificava em sua obra “Medo Líquido” como uma busca febril por uma garantia de felicidade e segurança. Em tempos onde nada é seguro ou garantido, há uma tentativa de nos apegarmos às coisas que aprendemos como sólidas e permanentes, tais como os centros de estudo, religiões, ideologias e famílias.

Talvez por isso as questões familiares que, a princípio, diriam respeito apenas àqueles diretamente envolvidos, tomam uma dimensão tão grande nos espaços de debate contemporâneos. Diante deste mar de questionamentos a serem feitos, neste primeiro texto, gostaria de apresentar a minha proposta: quinzenalmente estaremos juntos, pensando nas questões que fazem parte do nosso cotidiano a partir de minhas vivências como mulher, casada, heterossexual, professora de Direito de Família e Batista por formação familiar e escolha. Espero que juntos possamos tentar trazer algumas luzes sobre a família nestes tempos de grandes transformações, caminhos e descaminhos. Encerro deixando uma frase de Hannah Arendt, grande teórica política do Século XX, para servir de “gancho” para o nosso próximo texto: “O amor é um evento que pode se tornar uma história ou um destino”.

Fernanda Pimentel, de Bom Jesus do Itabapoana — RJ. Professora de Direito Civil na UFF, onde também cursou o Doutorado em Sociologia e Direito. Pesquisa e reflete sobre as relações familiares no Brasil.

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