AUTORIDADE RELIGIOSA E DEMARCAÇÃO DE PODER
Por Valdemar Figueredo
A intriga de hoje geralmente tem relação com os feitos de ontem. Jesus não estava sendo questionado pelo que ensinava naquele sábado no templo. O incômodo consistia no que ele havia feito na véspera e na antevéspera.
Com que autoridade você faz essas coisas? Esta pergunta poderia ter sido formulada a partir de uma grande admiração. Mas não foi este o caso.
Quem perguntava não estava à procura de respostas.
A conversa ocorreu no templo — lugar em que a autoridade dos sacerdotes e líderes judeus se manifestava de forma nítida. Jesus estava ensinando na área deles. Então, a pergunta enciumada representava uma demarcação de autoridade. Intriga do poder.
Jesus lhes responde com outra pergunta: Quem deu autoridade a João Batista para batizar?
J.B. nunca teve uma autorização formal da liderança político-religiosa para fazer o que fazia. Não atuava no espaço do templo. As pessoas iam para o deserto à procura dele. Não vestia o “modelito” sacerdotal nem tinha assento nas reuniões dos líderes.
Entretanto, J.B. tinha autoridade e todos sabiam disso. Por isso a pergunta de Jesus intriga tanto: Quem deu autoridade a João Batista para batizar? Os mesmos senhores que tentavam calar Jesus foram os que não reconheceram a autoridade de J.B.
Jesus declara que sua autoridade tinha a mesma fonte da autoridade de J.B. Tal autoridade nada tinha a ver com o templo, sacerdotes e líderes judeus. A corte religiosa reclama por súditos, e o fogo no altar — ego –, que nunca pode apagar, é o fogo do poder.
Estou me referindo a parábola dos dois filhos (Mateus 21.28–32).
Jesus não define o Reino de Deus, mas fala a respeito como se aqueles ouvintes soubessem do que se tratava. Deixa claro para os seus interlocutores quem era quem e os fundamentos da autoridade de cada um.
Prostitutas e publicanos estão entrando no Reino de Deus, enquanto sacerdotes e líderes religiosos continuam endurecidos nas suas certezas; não se arrependem e não creem.
Tem gente impressionada com o poder do Mestre em secar figueiras e tirar os montes do lugar. Mais importante do que isso, tem gente se convertendo e mudando de mente.
Ainda hoje ele vê figueiras na beira da estrada, vai até lá, procura alguma coisa, mas não encontra nada, ou melhor, só folha. Ouçamos a contundente exortação de Jesus nesta parábola. Chega de conversinha sobre o sobrenatural. Obedeça aos princípios simples do Reino de Deus: justiça e paz.
Tem muita gente se refugiando no templo, dizendo que vai, mas não vai; prometendo que faz, mas não faz; declarando a verdade, mas vivendo na mentira; fazendo juras de amor por Deus, mas odiando o irmão.
Lembre-se de que conversão é mudança de mente, de coração, de intenções, de ações, de visão, enfim, de vida.
Paulo dirige-se à Igreja, citando Isaías 52.5: “Os não judeus falam mal de Deus por causa de vocês, os judeus” (Romanos 2.24, NTLH). Podemos adaptar esta exortação à nossa realidade: Os não cristãos falam mal de Jesus por causa de vocês, cristãos.
Triste constatação. Conheço pessoas que foram trabalhar em instituições cristãs, cheias de boa vontade por reconhecer oportunidades de fazer o bem. Com o tempo, ouviram tanta mentira, presenciaram tanta malícia, perceberam a incessante busca por poder, compreenderam que as estruturas eram erguidas em nome de Deus e mantidas para a glória de alguns “espertos”, que confundiram o pátio dos líderes enciumados com os pastos verdejantes do Bom Pastor.
Valdemar Figueredo (Dema) Professor universitário, escritor e pastor. Editor e colunista do Instituto Mosaico. Graduado em Teologia (STBSB, 1993) e em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ, 2000). Mestre em Ciência Política (UFRJ, 2002), Doutor em Ciência Política (IUPERJ, 2008) e em Teologia (PUC-RJ, 2018).