Não existe UMA Igreja Evangélica, mas milhares

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readAug 28, 2017

A fé evangélica é multifacetada e professada de diversas maneiras, por pessoas diferentes e com as mais variadas abordagens

Sempre fico meio encafifado quando a imprensa se refere, para o bem ou para o mal, aos evangélicos. Pelo fato de eu ser ambas as coisas — evangélico e jornalista –, me sinto duplamente atingido.

É que “evangélico” virou um adjetivo amplo e difuso, que designa tudo e nada ao mesmo tempo. Um repórter da grande imprensa ficou surpreso quando expliquei, a seu pedido, a diferença entre evangélicos tradicionais e pentecostais. Ele não fazia a menor ideia de que os primeiros são aqueles cristãos vinculados a denominações de matriz histórica, que escolhem o pastor pelo voto e valorizam mais a teologia ortodoxa do que a experiência pessoal no que se refere aos fundamentos da fé; e que os pentecostais são os evangélicos que frequentam cultos carismáticos, são despojados no louvor musical, têm uma estrutura hierárquica menos democrática e creem na contemporaneidade dos dons atribuídos à ação do Espírito Santo, como falar em línguas estranhas, por exemplo.

Evangélicos creem no mesmo Jesus, mas interpretam a Bíblia e expressam sua devoção de modo bem distinto. E isso não é nada novo: começou lá na Reforma, há quase 500 anos, através do livre exame das Escrituras Sagradas e da rejeição ao suposto monopólio da verdade pela Igreja Romana. Porém, muitos ainda pensam que ser evangélico é pertencer a um imenso rebanho onde todos pensam de modo semelhante sobre vida em sociedade, comportamento, política, família, ética.

Não, senhores; não existe uma Igreja Evangélica, mas milhares de congregações, organizações eclesiásticas e grupos autônomos e independentes entre si, desde as centenárias Assembleia de Deus ou Igreja Luterana, com seus milhões de membros, à Comunidade Evangélica Fábrica de Campeões — sim, o nome é este mesmo –, que abriu sua portinha aqui no Engenho Novo há coisa de um mês. Cada qual se organiza como quer e adota a linha teológica, a forma de governo e o sistema de arrecadação e uso de recursos que bem entender. Não por outro motivo, todas as iniciativas para se reunir as igrejas ditas evangélicas numa mesma associação fracassam ou não passam de pequenos clubes.

Querem ver outra coisa? É comum jornais e revistas entrevistarem pastores famosos na condição de porta-vozes da “Igreja Evangélica brasileira”. O papa Francisco é o supremo dirigente do catolicismo, mas os evangélicos não têm um mandatário enquanto segmento religioso. Existe até uma meia-dúzia de líderes que adoram posar como representantes evangélicos, mas eles só podem falar em nome da igreja a que pertencem (ou que pertence a eles), e olhe lá. Eu nem gosto desse papo de que os evangélicos já são quase 30% da população — a menos que se cometa a desonestidade intelectual de considerar um imenso balaio de gatos de mais de 60 milhões de almas e egos como uma Igreja só.

Portanto, desconfie quando você vir a próxima referência a fatos envolvendo “os evangélicos”, sejam os caras que apedrejaram a menina candomblecista ou os deputados que votaram o salvo-conduto do Temer.

A fé evangélica, no Brasil, é multifacetada e professada de diversas maneiras, com as mais variadas abordagens e implicações e por pessoas tão diferentes como o Ronaldo Lidório, o Estevam Hernandes, a Jamily, o Pedrão do Borel ou a Ingrid Duque. E é bom que seja assim.

Carlos Fernandes tem 50 anos e é carioca. Jornalista, editor e redator, passou vinte anos na direção das revistas de informação cristã Vinde/Eclésia e Cristianismo Hoje. Hoje, trabalha no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e faz produção editorial e preparação de textos para diversas editoras.

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