BOLSONARO NA TERRA SANTA: “MEU NOME TAMBÉM É MESSIAS.”

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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5 min readApr 1, 2019

Por Manoel Botelho

Parte I

Ativista LGBTQ+ segurando a faixa perto da saída do Aeroporto Internacional de Ben Gurion, 31 de março de 2019 Créditos: The Aguda — Israel’s LGBT Task Force

Fizemos um primeiro texto (https://link.medium.com/dGddkHMlaV) falando sobre a complexidade do conflito israelo-palestino e a criação do Estado de Israel, e é neste Estado que o presidente Bolsonaro ficará deste domingo até quarta-feira.

No pronunciamento oficial dado neste domingo, dia 31 de março de 2019, ficou confirmado que será aberto um escritório de tecnologia e inovação, com status diplomático em Jerusalém, contudo a Embaixada Brasileira ainda permanecerá em Tel Aviv. Assim como previsto pelo jornal israelense HAARETZ (https://www.haaretz.com/israel-news/bolsonaro-backtracks-on-jerusalem-embassy-move-says-he-may-open-business-office-1.7066048).

Por ser reconhecido mundialmente pelas suas falas de caráter homofóbico, como noticiou o mesmo jornal israelense, (https://www.haaretz.com/israel-news/.premium-brazil-s-bolsonaro-arrives-in-israel-days-before-election-1.7067601) a chegada do presidente Bolsonaro a Israel também ocorreu com protestos. Ativistas no movimento LGBTQ+, estenderam uma faixa dizendo “A Terra Santa não quer homofóbicos aqui.”

A visita no domingo foi como prevista, ocorreu uma Cerimônia de assinatura de acordos em diferentes áreas como: Ciência e Tecnologia e Defesa e, consequentemente, a confirmação da criação deste escritório de inovação e tecnologia em Jerusalém. O primeiro ministro de Israel disse no pronunciamento oficial que deseja e espera que este escritório possa apontar para, no futuro, a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém.

Como visto no primeiro texto, o território esteve sob o mandato britânico que teve seu fim em 1948 com a resolução 181 da ONU que definia (mapa da partilha de 1947 das nações unidas https://www.un.org/Depts/dpi/palestine/ch2.pdf):

· A criação de um Estado Árabe e um Estado Judeu até primeiro de outubro de 1948

· Divisão da Palestina em oito partes: três alocadas no Estado Árabe, três alocadas no Estado Judeu, a sétima seria a cidade de Jaffa para criar um enclave árabe dentro do território judeu

· A oitava divisão dizia sobre o regime internacional de Jerusalém que seria administrado pelas Nações Unidas

Notem que, num primeiro momento, Jerusalém não ficou definida como território nem Palestino e nem Israelense, Jerusalém ficou definida como território internacional sob a tutela do Conselho de Tutela das Nações Unidas. Como já vimos, houve um êxodo de mais de 700 mil palestinos depois da criação do Estado de Israel e isto, obviamente, inclui a cidade de Jerusalém (vale ressaltar que também não ocorreu a criação do “Estado Àrabe”)
Maira Peres explica que primeiramente Israel tomou a parte moderna de Jerusalém, na parte Oeste, Ocidental, sendo os palestinos residentes desta região tanto cristãos quanto muçulmanos. Neste momento, também houve uma tentativa judia de tomar a Cidade Velha, mas houve repudio árabe através de tropas da Jordânia, que manteve poder sobre a ela até 1967. Os árabes que residiam na parte Ocidental tiveram que mover-se para a parte Oriental, ocupada pela Jordânia naquele momento, assim como os judeus da parte Oriental tiveram que refugiar-se no território ocupado pelos judeus[1]. Ou seja, Jerusalém ficou dividida até 1967 sendo a parte Oriental dos Palestinos e a parte Ocidental dos Israelense.

Em 1967 houve a chamada guerra dos seis dias em que Israel ocupou vários outros territórios e inclusive Jerusalém Oriental.

Nem bem a guerra de 1967 havia terminado, o projeto de judaização da Palestina ocupada pelas forças militares israelense já havia se iniciado. O primeiríssimo ato da ocupação foi a demolição de dezenas de casa palestinas com o claro propósito de judaização. Em 11 de junho de 167, tendo nenhuma autoridade judicial sobre a parte oriental ocupada de Jerusalém mas com a cooperação do exército, o prefeito de Jerusalém Ocidental ordenou a destruição do chamado Quarteirão Africano (Mughrabi Quarter) da Cidade Antiga, habitado exclusivamente por árabe-palestinos.[2]

Desde então a parte Oriental da cidade tem sido ocupada por Israel, apesar de não ser reconhecida pela comunidade internacional e até hoje ocorrer demolições de casa de palestinos, invasões e desapropriação. Israel e este primeiro ministro desejam tornar verdadeiro o que foi já foi dito em 1980 em uma lei fundamental israelense que dava o status de Jerusalém como capital “eterna e indivisível” de Israel, desrespeitando todos e todas que já habitavam aquelas terras e construíram sua vida, história, tradição e religiosidade naquele território.

A questão é tão séria que a ONU na resolução 465 do Conselho de Segurança (1980) diz que:

Todas as medidas tomadas por Israel para mudar o aspecto físico, a composição demográfica e a estrutura institucional ou o status dos palestinos no território palestino ou árabe ocupados em 1967, incluindo Jerusalém, ou qualquer outra parte deste, não possui validade legal e […] constitui em flagrante da violação da Quarta Convenção de Genebra relativa a proteção de Civis em Tempos de Guerra e também constitui em uma séria obstrução no alcance de uma compreensiva, justa e duradoura paz no Oriente Médio (ONU, 1980, p. 5,).

É sabido que Jerusalém é uma cidade muito importante para as três maiores religiões monoteístas do mundo: islamismo, judaísmo e cristianismo. É comum que chefes de Estado visitem lugares sagrados como o muro das lamentações. Acontece que o muro está situado dentro de Jerusalém Oriental, ou seja, o muro das lamentações, apesar de ser um importante local para a religião judaica está situado geograficamente dentro do território Palestino, atualmente ocupado ilegalmente por Israel.
Donald Trump visitou o muro, contudo o fez na presença de seus familiares e de autoridades judaicas sem a presença de qualquer oficial do governo israelense.(https://edition.cnn.com/2017/05/22/politics/trump-israel-western-wall/index.html) . O presidente Bolsonaro anunciou que irá ao muro das lamentações acompanhado de Netanyahu, nesta segunda-feira dia 01 de abril, o que simbolicamente é uma grande afronta ao direito internacional as resoluções das nações unidas, não somente isto, mas é uma afronta a toda história dos palestinos que injustamente foram retirados de suas terras e seus lares.

A questão de Jerusalém é muito grande, complexa e delicada e qualquer movimento deve ser cuidadosamente analisado e pensado: uma simples visita pode causar diferentes impressões, frustações e retaliações tanto diplomáticas quanto econômicas ao Brasil.

O presidente disse em seu pronunciamento oficial ao lado de Netanyahu “meu nome também é Messias”. O que ele ainda não entendeu é que a frase “Deus acima de todos” tem que explicar muito bem duas coisas: qual deus e quem são todos.

Manoel Botelho. Integra a Rede Ecumênica de Juventude. Foi observador de Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados e é professor nas áreas de política e filosofia.

[1] PERES, Maira Russo. Palestino em Israel: uma análise da repercussão do conflito israel-palestino no direito humanos dos palestinos em território israelense — Porto Alegre, 2014 p.73

[2] HUBERMAN, Bruno. Judaização da Palestina ocupada: colonização, desapropriação e deslocamento em Jerusalém Oriental, Cisjordânia e Faixa de Gaza entre 1967 e 2013 — São Paulo, 2014 p.66

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