Da tolerância à solidariedade

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readSep 19, 2017

A dinâmica cristã opera em uma lógica que não estabelece a tolerância nas relações sociais, mas sim a hospitalidade/solidariedade.

Foto: Gustavo Miranda, Agência O Globo

Os últimos acontecimentos relacionados à violência sofrida por pessoas de religiões de matriz africana, mais precisamente o Candomblé, no Morro do Dendê, na Ilha do Governador — RJ, necessita de um grito que estabeleça que atos como esses são violentos, injustos e desumanos. Supostos “traficante evangélicos” (todas as aspas possíveis) entrarem nos terreiros e “em nome de Jesus” e com porretes nas mãos obrigarem a destruição do lugar é bestialidade que precisa ser denunciada. È um atentado contra o Estado Democrático de Direito! Contra a liberdade de culto! Contra os princípios cristãos!

Em tempos de discursos sobre tolerância, é preciso dizer que tolerar não é o fim do caminho, nem um ponto de chegada, mas um ponto de partida. A tolerância, é uma categoria ético/política que, colocada em prática e nos faz superar a realidade da intolerância, tornando a relação entre os diferentes, os discordantes, possível. O intolerante é promovedor de todas as espécies de males, geralmente pertencente a um obscurantismo e fundamentalismo que tem por vista a eliminação do outro ou sua conquista proselitista. Tornar-se um tolerante é um passo, mas, algo habita nessa logica de oposição (tolerância/intolerância) que nos aponta para uma passividade. Só tolero o que não tolerava. Isso soa abstrato e passivo.

A proposta de Timm de Souza na Revista do ISER, número 66 — anos 31–2012, a respeito do que falamos acima é a substituição do binômio tolerância/intolerância pelo hospitalidade/solidariedade. Além disso, nossa proposta é fazer uma leitura dessa realidade a luz no Novo testamento. Isso como um apelo a todos os que professam seguir a Jesus (cristãos) e que a sua luz, estão inquietados com realidades como estas. Além do mais, que estes, não estejam calados, mas que afirmem sua fé no cristo do evangelho, no Cristo que ama, aceita, perdoa e morre em substituição aos humanos.

Hospitalidade é um encontro no tempo, um encontro humano e puramente humano. É receber na sua realidade, na sua vivência. É abrir-se ao outro e ser receptivo a outra realidade. Essa é uma realidade cristã no Novo testamento. Assim assevera Hebreus 13. 1,2: “Seja constante o amor fraternal. Não negligencieis a hospitalidade…”.

Percebe-se que o autor de Hebreus está relacionando o “amor fraternal” ao fato de eles deverem exercer a “hospitalidade”. Ainda mais impactante é que, logo depois ele relaciona uma categoria que, via de regra, é desprezada por muitos: O encarcerado! Parece que quem escreveu Hebreus está propondo recebermos entre nós aqueles que são excluídos, assim como Deus, pela graça fez conosco mesmo sendo nós pecadores. Como dimensão proativa da hospitalidade, temos a solidariedade. A solidariedade rompe com a rigidez do que é conhecido anteriormente. Ela simplesmente nos obriga ao outro, o próximo. É um compromisso amoroso e que não só sente a dor em um sentido abstrato, de reconhecimento. A solidariedade nos faz viver, nos envolver, gastar com a dor do outro. A parábola do bom samaritano ( Lucas 10.25–37) passa para a história do cristianismos e da cultura universal, não pela tolerância (o que seria nada) mas, pela solidariedade que fora demonstrada ao caído. O samaritano se envolveu, cuidou, gastou, correu riscos. De acordo com o Novo testamento, o antídoto contra o veneno da intolerância é o exercício da hospitalidade e da solidariedade, e não a pregação da tolerância.

Esta mais do que na hora de afirmarmos estes princípios do evangelho como norte regulador das nossas relações humanas. Cristo é o Bom Samaritano! Cristo exige que seus seguidores sejam como ele foi! Acolher os que sofrem, sejam eles quem quer que sejam é nossa missão. Tolerar não basta, mas sim, amar e isso significa acolher, respeitar, sofrer o dano pelo benefício do próximo. Esse modo de vida de acordo com o Novo Testamento mostra a convivência entre pessoas e implica interação na diversidade. A diversidade é constituinte do humano, da nossa formação como sujeitos socioculturais. Escrevo isto, em defesa do humano, dos direitos humanos, em nome da liberdade de culto e de crença. Em nome dos que sinceramente querem um mundo “menos pior” para todos. Afinal, como dizia Desmond Tutu: Preciso dos outros seres humanos, para ser humano!

Jairo Ricardo de Souza é teólogo, sociólogo, professor, pastor batista, apaixonado pela fotografia. Nascido no interior de São Paulo, em Mogi das Cruzes, carioca de coração desde os seus cinco anos de idade. Criado na Favela do Muquiço.

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