Deus, o rio Tapajós e o SUS

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readMar 23, 2018

Por Gustavo Santiago

Foto: Eladio Pedrosa Jr, Flickr. Rio Tapajós, Santarém/Amazônia

Esse ano vim ver as águas de março fechando o verão no norte do país, ou abrindo o inverno, como é chamada a estação das chuvas por aqui. A vila de Alter do Chão é um pequeno paraíso banhado pelo rio Tapajós no coração do Pará. Terra de gente hospitaleira, comida boa e paisagens paradisíacas de se encher os olhos. Vim para acompanhar um pouco o sistema de saúde daqui no setor de Infectologia do Hospital Municipal de Santarém e na Unidade Básica de Saúde da vila. Estando aqui, não dá pra deixar de aproveitar as várias opções de passeios sempre que surge algum tempo livre na agenda, inclusive nesse momento escrevo este texto no meio de uma imensidão de águas a caminho de um desses destinos.

Sempre vejo a mão de Deus quando contemplo algo belo. Gosto de pensar que Ele deixa pequenos simbolismos na natureza que revelam um pouco de suas próprias características. O rio Tapajós, por exemplo, em alguns momentos se parece com o mar, com água a perder de vista, resultado de vários pequenos afluentes que vão se encontrando e cruzando e levando vida por onde passam, assim como Deus.

Penso que Deus seja glorioso e majestoso, dono de todo o universo, mas o encontro mesmo quando penso que Ele se fez pequeno e humilde, que sente nossas dores e está acessível a todo instante pois faz de nós sua própria casa. Esse Deus por vezes é parecido com um córrego ou um ribeirão mesmo não deixando de ser rio ou mar.

À tudo que descrevi, capilaridade seria uma boa palavra. Hoje, dia 21 de março, dia do Orgulho SUS, a associação é imediata. Estando aqui a trabalho dá pra perceber na prática a grandeza desse nosso sistema de saúde, que, assim como Deus e o rio Tapajós, se expressa e cresce em seus trechos mais estreitos. Penso que o rio é importante como os grandes hospitais são, mas o contato mais próximo e constante com a população se dá é nos afluentes. Sem afluente não há rio. O hospital não vai funcionar bem se a Atenção Primária não for valorizada.

Uma frase que me marcou muito veio de um paciente internado no hospital por um quadro evitável. Frente à pergunta sobre o local em que faria o seguimento do seu quadro após a alta ele me respondeu: “posto é luxo, doutor”. Esse problema é maior em alguns lugares do que outros, mas está presente em todas as regiões do Brasil. A experiência aqui, com profissionais interessados em mover essas águas mesmo enfrentando tempos de seca e desinteresse por parte do governo — cenário muito parecido com a experiência carioca neste mesmo momento — é, no mínimo, bastante inspiradora.

Acredito que em algum momento a chuva sempre vem, e, enquanto não, que não nos falte forças pra seguir navegando nessas águas. Da fé, do trabalho e do rio.

Viva o SUS!

Gustavo Santiago. Médico residente em Medicina de Família e Comunidade. Músico nas horas vagas. Capixaba se aventurando no Rio de Janeiro

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