Dia das mulheres, corpo e teologia

Redação — Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readMar 8, 2018

Por Carolina Bezerra de Souza

Dia 8 de março é o dia internacional das mulheres. Embora a data tenha controvérsias quanto ao seu fato histórico gerador, não pretendo trabalhar aqui sobre esse aspecto. Qualquer pesquisa online pode retornar muitos artigos interessantes sobre isso. O fato que quero abordar aqui é simples: embora seja costume homenagear as mulheres nessa data com flores, presentes, promoções, dias de beleza e etc, as feministas olham para a data como um marco de sua luta contra a dominação que as mulheres sofrem. Pois o desejo delas é que não haja uma data especial de homenagens, mas que as mulheres possam ser tratadas com respeito e justiça todos os dias.

Os diversos pontos da pauta feminista são trazidos à tona neste dia. Suas petições vão dos direitos reprodutivos (escolha sobre a maternidade, parto não violento…) ao direito à creches, divisão igualitária do trabalho, igualdade salarial, fim da violência… chegando a questionar o sistema capitalista e suas relações de trabalho, exploração social e ambiental. Um ponto une boa parte dessas lutas: o direito a regerem seus próprios corpos, as atividades desses corpos e de não serem descriminadas por conta deles ou exploradas. Assim, para dar conta desse tipo de reflexão, a corporeidade, ao lado da afetividade e da experiência são consideradas pontos de partida para as análises feministas.

O que isso tem a ver com a teologia? A teologia cristã ocidental tradicional criou uma cisma no ser humano, partiu-o e ajudou a formar uma sociedade de seres sem integralidade. Isso se dá porque assumiu a divisão de corpo e alma, relegando ao primeiro um aspecto negativo e evoluindo para uma vivência religiosa desencarnada e alheia aos problemas da vida. A teologia fez o caminho contrário do caminho que os próprios cristãos creem que Deus fez.

Nesse processo, o corpo feminino foi ainda mais negativado, escondido, subjugado. As mulheres viram parte de si ser fonte de pecado e erro. Foram coagidas a esconder seus corpos, sobre roupas longas, folgadas e sem decotes, sendo julgadas quando não o fazem. Terminam por desconhecê-los e ficam alienadas deles, impedidas de senti-los na sua plenitude e possibilidades. A sexualidade feminina é vista como um tabu, seus órgãos sexuais são considerados sujos e feios. Seu prazer não é visto como necessidade humana, e elas são constantemente humilhadas. E isso é ainda mais duro para as mulheres com vivências em comunidades religiosas.

Os corpos femininos foram excluídos dos ambientes sociais e eclesiais de liderança e estes se formaram numa hierarquia isolada e sem afetividade, baseada no padrão e experiências dos homens, onde o maior valor é o poder e a autoridade. Assim, foram formados dogmas, liturgias e linguagem que conduzem a forma como vivemos e lidamos com o Sagrado: no imaginário, Deus é entendido como masculino.

Esse quadro torna difícil as mulheres conquistarem espaço nas instituições religiosas e desenvolverem uma religiosidade que considere o seu corpo e suas experiências, ainda que componham a maior parte dos fiéis. Porque essa inclusão, envolve uma mudança estrutural. Para manter toda essa dura estrutura, surgem discursos de confinamento e o controle dos corpos das mulheres que acabam nas violências simbólicas que tratamos no artigo anterior.

Assim, o dia, semana ou mês das mulheres, não é importante que elas sejam homenageadas com bombons, flores, músicas, cursos de maquiagem, chás especiais, dias de beleza que acabam por controlar suas formas de ser, Mas que, ao invés disso, as comunidades cristãs se voltem para elas, suas experiências e corpos, as ouçam e libertem. Que se importem e queiram dar fim às violências diárias, ao controle externo dos seus corpos. Que resgatem os conceitos do seu Deus encarnado: solidariedade, diaconia, ensino e cura para pessoas com seus corpos sofridos. Por que a Teologia é para ter corpo e se importar com corpos.

Carolina Bezerra de Souza é cristã, brasiliense, com metade do coração em Recife e um pé em Curitiba. Doutora e mestra em Ciências da Religião, bacharel em teologia e engenheira eletricista. Trabalha as temáticas de gênero, textos sagrados, movimentos populares e espiritualidade.

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