DILEMAS DO RIO DE JANEIRO

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readDec 5, 2017

Facções de traficantes, milícias, polícia

Foto: Divulgação

Em 5/1/2001, estreou nos EUA um filme cuja produção enfrentou problemas, aclamado pelo público e pela crítica, ganhando quatro Oscars: Melhor Diretor, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Edição e Melhor Roteiro Adaptado. No Brasil, foi mantido o nome original, “Traffic”, mas em Portugal deram-lhe um nome mais interessante: “Traffic, onde ninguém sai ileso”.

É uma co-produção com a Espanha, dura mais de três horas e desenvolve três histórias e um tema incômodo. O primeiro estúdio que o diretor Steven Soderbergh contatou quis modificar o elenco e mexer no roteiro. Soderbergh acabou operando sozinho a câmera, mas fez o filme que queria: histórias aparentemente desconectadas, com o narcotráfico como ponto em comum.

Os dramas pessoais sensibilizam: um ministro da Suprema Corte estadunidense torna-se encarregado do combate às drogas, sem ter tempo para perceber que a própria filha era usuária de drogas pesadas; a esposa de um traficante assume o controle do cartel, após o marido ser preso; e um policial mexicano honesto, desejoso da construção de praças de esportes para que adolescentes de sua cidade tenham um futuro melhor, vive em meio às batalhas entre cartéis de drogas, com o apoio de um general (também apoiado pelo governo estadunidense) sem saber que o militar combate um cartel, porque está na folha de pagamento de outro.

Para cada história, Soderbergh usou um filtro de cor diferente, o que permite ao espectador discernir melhor o que está acontecendo.

Caso realizássemos aqui um filme semelhante, poderíamos pensar nas mesmas histórias, nos mesmos dramas pessoais, nas mesmas cores e, sem dúvida, teríamos atores e atrizes de tão boa ou melhor qualidade.

Como seria filmar o que ocorre no Rio? Uma quarta história seria necessária, para a Força Nacional de Segurança, uma quinta para o poder municipal, sempre omisso, uma sexta para o governo estadual, altamente corrompido e falido?

Sabe-se que o Rio tem algumas facções de traficantes, mas três se destacam: o famoso Comando Vermelho, os Amigos dos Amigos, e o Terceiro Comando Puro. Até 2005, predominava o CV, “mandando” em áreas habitadas por mais de 700 mil pessoas. A partir de então, começaram a crescer as milícias. Calcula-se que, em 2010, elas dominavam comunidades com mais de 420 mil moradores, ficando o CV com 380 mil pessoas. As outras duas facções principais “cuidavam” de 180 mil habitantes, cada uma.

A força desses grupos é o dilema na “Cidade Partida” (livro de Zuenir Ventura, redigido a partir da chacina de Vigário Geral — 21 mortos — em 1993). Além da cissiparidade, que exige um esforço de operações de Inteligência. Bem executadas, surtiriam mais efeito do que as ações militares. Porém, como lidar com a divisão do comando do tráfico na Rocinha, entre a ADA, o “poder tradicional” e a ação do chefe da área aliado ao CV? Como perguntou o jornalista Marco Aurélio Canônico, na Folha de São Paulo, “é possível a polícia intervir sem ajudar um dos lados?”. O que fazer?

Fernando Roberto de Freitas Almeida, carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF)

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