E nós, que não somos heterossexuais, temos com o que nos preocupar?

Redação — Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readFeb 9, 2018

Por Heitor Benjamim

Todo ser humano está constantemente monitorando seu comportamento nas muitas situações cotidianas. E, nós, que não somos heterossexuais, para sobreviver, fazemos o mesmo.

É cruel. É desde muito cedo, quando descobrimos que o amiguinho inocente que te chamava para brincar, quando mais velhos, momento em que os sinais em nosso comportamento ficam mais evidentes, se mostra um agressor. É se policiar para ir ao mercado, ir ao banco, sobreviver à fase da escola.

Mas nem é esse ponto que quero levantar aqui.

Na vida social… a gente não faz ideia do que as pessoas pensam a nosso respeito. Você está sendo simpático e abrindo sorriso, sem imaginar que está lidando com uma pessoa homofóbica. E no básico, pensamos: o que importa é o social, não o que ela pensa.

Esses dias, fiz este questionamento e alguns amigos disseram: “Ah, mas com todo mundo é assim, todos pensam mil coisas sobre as pessoas, mas nem tudo precisa ser dito. Tem tanta gente escrota, mas não tem motivo para eu virar a cara. Fulana é piranha, não sei ‘quem é mentiroso’, e blá blá blá”. O fato é que você pode pensar que ‘não sei quem é piranha’, que fulano é falso igual um Judas. Mas quando você vota, quando você mobiliza os seus direitos… a piranha, o falso, o mentiroso, que são heterossexuais como você… serão contemplados. Eu posso não me importar com o que pensam a respeito da minha sexualidade, mas com o voto desse infeliz eu me preocupo.

Todo mundo acha tão natural, que parece impossível mudarem as leis e a homossexualidade voltar a ser encarada como doença ou voltar a ser tratada como crime, mas o risco existe. No entanto, parece que só quando detonam direitos trabalhistas e previdenciários que o perigo é visto como real.

Eu tenho trinta e três anos, e em todo esse tempo eu tenho monitorado o meu comportamento, assim como todos os seres humanos, para não morrer pelo ódio que alguém sente pelo que eu sou. Por mais que você se acostume, já não sinta tanta raiva quando te gritam “viado” na rua ou quando imitam o seu jeito de falar, é um saco passar por isso. Se eu falar que não sinto vergonha quando olho para outras pessoas presentes em uma situação como essa, eu estaria mentindo.

Mas em todos esses anos, eu nunca senti um medo tão evidente da possibilidade de uma mudança estrutural. Algumas pessoas até me dizem: “ah para de sofrer, é óbvio que não ganha, ele não é o candidato da Globo”. Mas o que me assusta, é o fato de ele ser o político mais votado do meu Estado, com várias pessoas o defendendo nas redes e com vídeos de festas onde os seus eleitores pedem pelo fim do Estado Laico.

Eu não tenho com o que me preocupar?

Aí a gente surta, esbraveja, ainda mais eu que já tenho um jeito insuportável de cortar a fala das pessoas. Passando por esta fase em que estou bem alucinado, causei recentemente um clima tão ruim entre pessoas que quero bem, que nem percebi que estava descabido. Está tudo tão intenso, que eu vou é calar minha boca e trancar meus dedos de textão.

O meu grito foi proporcional ao medo que tenho sentido.

E sabe, só quem é viado, sapatão, bi, trans, enfim, todos que não cabem na gavetinha heteronormativa cristã, “sabemos” o que é tomar na cara de tudo quanto é tipo de gente, pobre, rica, branca, negra, “estudada”, e que não reconhecem nossa cidadania porque acham que estamos em pecado e que temos mais é que ir para o inferno.

Você não precisa ter terceiro grau para pensar ou não pensar a respeito disso de ninguém. Este texto, de forma alguma, é para estabelecer uma hierarquia de sofrimento. Muito pelo contrário. Eu sei muito bem o quanto pode a experiência humana ser muito mais tolerante a partir do dinheiro que você tem, da cor que cobre tua pele e do sexo que te faz gozar. O medo que estou sentindo vai me fazer gritar para qualquer eleitor de fascista, seja ele quem for, da mesma forma que vou gritar para qualquer esquerda que levantar bandeira de justiça social e disser que que o voto dela e o de fascistas possuem o mesmo motivo: o fim da corrupção.

Isso é disputa de espaço dentro da própria esquerda. Na briga pela interpretação que cada partido faz de uma frase marxista, o Brasil segue sendo campeão na violência contra LGBT. Mil anos antes de saber quem era Marx, eu já estava em casa chorando escondido por ter passado vergonha na rua. A certeza que eu tenho é do posicionamento político dos meus agressores. Enfim, eu estou preocupado é com minha vida daqui para frente. De resto… liguei o famoso “foda-se”.

Heitor Benjamim Campos | Bacharel em Ciências Sociais (UFF). Doutorando em Sociologia Política (UENF).

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