“E POR ISSO CHEGAMOS ATÉ AQUI”

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readOct 6, 2020

Por Fernando Roberto de Freitas Almeida

Imagem: Divulgação

Há pelo menos quatro anos, frases como as que se seguem passaram a ser ditas e repetidas, por vezes promovendo situações desagradáveis, incluindo práticas por vezes bastante violentas:

“Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”. “Se eu chegar lá não vai ter dinheiro pra ONG. Esses vagabundos vão ter que trabalhar. Pode ter certeza que se eu chegar lá, no que depender de mim, todo mundo terá uma arma de fogo em casa, não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola.”

Um ano e meio depois, em setembro de 2018, o STF, incrivelmente, rejeitou denúncia contra o emissor dessas barbaridades, o sr. Jair Messias Bolsonaro, por discurso racista. Já havia enaltecido um psicopata torturador, em pleno Congresso, e nada lhe aconteceu. Chegou lá. Agora, em 2020, uma juíza do Paraná escreveu em sentença, referente a um cidadão negro:

“Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente”.

O condenado, envolvido com roubos e furtos, foi punido com prisão por 14 anos e dois meses. Em 28 de setembro, a Corregedoria Geral de Justiça arquivou o procedimento disciplinar contra a juíza. Ou seja, citar raça na argumentação jurídica não é problema.

Já se tornou banal lembrar do conservadorismo estrutural brasileiro, mas sempre se deve registrar como ele nos caracteriza como uma sociedade semi-bárbara, em que o racismo, a misoginia, o negacionismo científico nunca deixaram de existir. Em alguns momentos e em alguns governos, nos diferentes níveis, avançou-se no combate a este lado primitivo. Contudo, nunca foram reformadas instituições aristocráticas, como é o nosso Judiciário, ou rotineiramente violentas, como o são as nossas polícias. Por quê? Justamente, pelo conservadorismo estrutural, o mesmo que leva uma elite de renda, branca, a ainda se ver como os únicos proprietários e beneficiários dos conceitos de democracia, soberania, segurança.

Existe uma retroalimentação, ainda pouco alterada, mas, no início do século XXI, conseguiram-se efeitos positivos para milhões de brasileiras e brasileiros. Justificando o novo tipo de golpe, lançado em 2016, de caráter político-jurídico-midiático, seus defensores sempre diziam — e continuam dizendo — que “as instituições estão funcionando perfeitamente”, apesar de todos os artifícios criativamente golpistas empregados.

Os dois momentos aparentemente estranhos aqui citados podem estar mostrando que, de fato, as “instituições” funcionam perfeitamente, como sempre funcionaram: elitistas, aristocráticas, praticando uma democracia meramente procedimental. Sílvio Almeida, professor da FGV e da Mackenzie, observou, na Folha de São Paulo: “E por isso chegamos até aqui”.

Fernando Roberto de Freitas Almeida

Carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenador do curso de Relações Internacionais

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