ENSINO DOMICILIAR, QUEM PROPÕE?

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readJun 15, 2019

Por Valdemar Figueredo (Dema)

No dia 11.04.2019, o presidente Jair Bolsonaro marcou a ocasião com a apresentação do pacote de medidas dos cem dias. Entre decretos e projetos de lei anunciados estão dezoito atos que vão da autonomia do Banco Central até a forma de tratamento das autoridades nos atos públicos (antes “vossa excelência” ou “doutor”, agora “senhor” ou “senhora”). O pacote postula propostas de níveis diferentes em termos de relevância.

O projeto que mais chamou a minha atenção foi o Ensino Domiciliar. O presidente não o encaminha como decreto, mas enquanto projeto de lei que o Congresso deverá apreciar. O debate sobre homeschooling só está começando e promete muito.

Foto: Adobe Stock

Não quero entrar nos méritos das vantagens e desvantagens do ensino domiciliar. A princípio não sou radicalmente contra nem radicalmente favorável. Reconheço que numa sociedade plural como a nossa os debates que buscam flexibilizações e adequações das regras são necessários e saudáveis. Contudo, acho que sobre educação temos temas bem mais relevantes e urgentes que mereciam do presidente os devidos destaques e priorizações.

No dia 12.04.2019, um dia após a cerimônia que marcou os primeiros cem dias do governo Bolsonaro, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, apresenta-se como a grande proponente do homeschooling, ensino em casa. O que há de estranho nisso? Talvez a melhor forma de responder seja formulando uma outra pergunta: por que essa questão ficou a cargo do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e não do Ministério da Educação (MEC)?

Damares responde objetivamente: “É um pedido das famílias.” Explica que o trabalho será realizado em sintonia e parceria com o MEC, no entanto, o proponente e responsável pela implementação será o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos por um motivo singelo: as famílias estão demandando pelo ensino domiciliar, segundo Damares.

Na entrevista para a Rádio GaúchaZH,[1] Damares fundamenta seus argumentos com citações aleatórias e alega que vinte mil famílias utilizam o expediente do ensino domiciliar no Brasil com rendimento melhor do que as crianças que estão em sala de aula. Quando perguntada como chegou a esses resultados, singelamente a ministra diz que foi através de pesquisas informais.

Não podemos chamar de pesquisa, muito menos de projeto, algo tão estanho na concepção e na implementação. Repito, não estou fechado para debater regulações em que em casos específicos o ensino domiciliar possa ser admitido, mas da forma como o governo o encaminha inviabiliza até a conversa. Imagina, como desqualificar uma pesquisa alegada que no real sequer existe? Como defender um projeto em que o texto da proposição não vai além dos slogans?

Não vale dizer que esse debate já é conhecido e na experiência estadunidense observamos tais argumentos e enumeramos tais resultados. Caso a ministra Damares esteja se reportando à sociedade norte-americana para pensar no nosso contexto brasileiro, aí a situação não é só grave, mas desesperadora. Não tenho elementos para fazer tal associação. Estou apenas cogitando uma hipótese remota em que o real motivo do ensino domiciliar esteja envolto com as cismas do fundamentalismo cristão estadunidense.

O que posso dizer em linhas gerais é que o homeschooling estadunidense é uma mistura entre concepção liberal exacerbada e resistência feroz à secularização. Ceticismo em relação ao Estado e crença “feroz” nas liberdades individuais. Repulsa à modernidade enquanto dinâmica que interpela as tradições e as crenças. Nesse cenário, a escola seria um lugar perigoso de perda de controle absoluta dos pais sobre as mentes e corações das crianças e jovens. Síntese da peleja antimodernista: conflito entre narrativas criacionistas e evolucionistas.

Tomara que a minha hipótese não passe de um delírio, MEU.

[1] ALVES, Damares. Ministra da família, da mulher e dos direitos humanos, Damares Alves. [Entrevista concedida a] Daniel Scola. Soundcloud, abr. 2019. Disponível em: https://soundcloud.com/radiogaucha/ministra-da-mulher-da-familia-e-dos-direitos-humanos-damares-alves-12042019

Próximo artigo da série: Ensino domiciliar para autistas, quem se beneficia?

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor universitário, escritor e pastor. Editor e colunista do Instituto Mosaico. Graduado em Teologia (STBSB, 1993) e em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ, 2000). Mestre em Ciência Política (UFRJ, 2002), Doutor em Ciência Política (IUPERJ, 2008) e em Teologia (PUC-RJ, 2018).

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