ESPERANÇA INCURÁVEL

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readAug 28, 2019

Por Valdemar Figueredo

Foto: Divulgação

Queremos que as nossas palavras construam mundos, que as nossas pronuncias façam o bem. O fiat divino inspira-nos a falar crendo que a imaginação pode tornar-se realidade através da palavra certa dita a seu tempo.

Quem semeia palavras tem a esperança de colher ações.

O mundo é regido pela palavra. As pessoas são formadas pelo que ouvem. Vidas são transformadas pelo poder da palavra. No entanto…

Palavras que dissemos que estavam carregadas das nossas intenções caíram à beira do caminho. Deslocadas, foram esquecidas no canto. Não dá para voltar e catá-las. Sequer sabemos onde as perdemos. Numa hora dessas o corvo danado as engoliu depois de cheirá-las. Digeriu-as como quem quer eliminá-las como dejetos fétidos.

Palavras que dissemos que estavam carregadas das nossas convicções caíram no chão duro, bateu e voltou. Ecoou, mas não entrou no chão. Bate-papo animado em que o interlocutor está atento. Inclinação do corpo diz que quem nos ouve está receptivo. No entanto, a vida não se mexe, as decisões não acontecem. As nossas palavras são boas para serem ouvidas, proporcionam momentos de conforto, mas daí a mudar o rumo da vida de alguém…

Palavras que dissemos que carregavam as nossas esperanças foram abafadas pelas outras muitas vozes. Apertadas por todos os lados, desditas, feridas por versões ditas realistas. No baile das letras as palavras mais aplaudidas são aquelas melhores vestidas. Nossa esperança se esvazia quando as palavras furam e ferem. Caem por terra sem o poder de fecundar. Sufocadas, nossas palavras morrem.

Palavras que dissemos que carregavam a nossa fé caíram em boa terra e cumpriram os seus ciclos. A fé vem pelo ouvir a palavra de Deus. Falamos do que nosso coração está cheio. E vimos que o que dissemos era bom, pois, os resultados, os mundos criados, passaram a existir com o poder da palavra. A vida já não é mais sem forma e vazia.

Quão formosos são os pés daqueles que se apressam pelos montes para chegar logo com boas notícias. As palavras que alimentam a nossa fé são como pão fresco para aqueles que não pregaram os olhos a noite inteira querendo encontrar respostas para a vida.

Pensava nestas coisas quando me caiu à mão uma entrevista com o sociólogo polonês Zigmunt Bauman. Quais as condições favoráveis para que a utopia nasça, uma vez que a dura realidade parece paralelepípedos compactos? Bauman apresenta duas condições:

1) Forte sensação de que o mundo não está funcionando adequadamente. Isto é, desconforto. A sensação de que está deslocado não no pátio da escola, mas deslocado na vida.

2) Crença de que o potencial humano é capaz de reformar o mundo. Isto é, assumir como responsabilidade criar um mundo melhor. Ter força e coragem para modificar o que está errado.

Minha reflexão seguiu na seguinte direção: O que a palavra de Deus tem provocado em nós? A mensagem do Reino de Deus, quando cai em boa terra, provoca o que?

Ilustrados por Bauman, ainda que nem de longe ele estivesse interessado em levar à conversa para os termos que estamos propondo, pensemos em duas condições para que a palavra de Deus cumpra os seus ciclos nas nossas vidas:

1) A palavra de Deus provoca em nós a sensação de que estamos deslocados no mundo e que ele não está funcionando bem. Gera um forte sentimento de inadequação.

2) A palavra de Deus provoca em nós a confiança de que temos uma contribuição a dar para reformar o mundo. A mensagem do Reino de Deus desperta a suspeita de que o mundo não está feito e acabado.

Não custa lembrar que no princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (…) E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai (João 1.1,14).

Não custa lembrar que o meu coração ferve com palavras boas; falo do que tenho feito no tocante ao rei; a minha língua é a pena de um destro escritor. Tu és mais formoso do que os filhos dos homens; a graça se derramou em teus lábios; por isso, Deus te abençoou para sempre (Salmos 45.1,2).

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor universitário, escritor e pastor. Editor e colunista do Instituto Mosaico. Graduado em Teologia (STBSB, 1993) e em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ, 2000). Mestre em Ciência Política (UFRJ, 2002), Doutor em Ciência Política (IUPERJ, 2008) e em Teologia (PUC-RJ, 2018).

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