EVANGÉLICOS RECONSTROEM TERREIRO DE CANDOMBLÉ

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readNov 25, 2017

Este gesto é uma singularidade e se constitui num divisor de águas

Foto: Rozangela Silva

O cenário religioso brasileiro tem sido marcado por atos de violência praticados por grupos fundamentalistas contra fiéis e contra terreiros de candomblé. No Rio de Janeiro, tais atos têm se tornado cada vez mais frequentes. A destruição do terreiro Kwe Cejá Gbé de Nação Djeje Mahin de Conceição d´Lissá em Duque de Caxias em 26 de junho de 2014, por meio de um incêndio, configura um desses atos.

Para enfrentar tal violência, o Conselho de Igrejas Cristãs do Estado do Rio de Janeiro (CONIC-Rio), apoiando a ideia de reconstrução do terreiro apresentada por sua então presidente, a Pastora Luterana Lusmarina Campos Garcia, iniciou uma campanha de doações. A intermediação entre o CONIC-Rio e o terreiro Kwe Cejá Gbé foi feita pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, através do seu interlocutor, o Babalorixá Ivanir dos Santos.

A campanha iniciada em meados de 2015 conseguiu arrecadar R$ 2.121,85. Foi interrompida por um período de dois anos e ganhou novo impulso quando uma doação de R$ 10.000,00 foi feita permitindo que o valor de R$ 12.121,85 fosse entregue, no dia 22 de novembro de 2017, a Conceição d´Lissá. O valor é insuficiente para executar a reconstrução do terreiro. Mas, como afirmou Conceição d´Lissá na cerimônia de entrega das doações, “o que de fato importa, é o simbolismo do gesto. Este gesto é uma singularidade e se constitui num divisor de águas”.

Os atos de violência perpetrados por grupos extremistas são o resultado de uma combinação entre uma teologia de guerra, e ódio racial e religioso. A demonização feita por estes grupos aos candomblecistas é uma tentativa de retirar a humanidade do povo de candomblé. E na medida em que se desumaniza a outra pessoa, qualquer coisa se torna permitida.

No entanto, a lógica da guerra e a desumanização da outra pessoa não é a lógica do evangelho. A lógica do evangelho é o acolhimento às diferenças, é o diálogo, a solidariedade, a busca por justiça e o amor. É na combinação destes elementos que as feridas abertas pela violência podem ser curadas e as relações rompidas podem ser recompostas.

O acolhimento às diferenças é fundamental para a convivência pacífica entre indivíduos, grupos religiosos e não religiosos e a sociedade de modo geral. O respeito se constrói a partir do reconhecimento de que todas as diferenças precisam ter espaço no seio das instituições, organizações, grupos e movimentos que compõem a sociedade e a comunidade humana.

O movimento ecumênico, ao qual pertence o CONIC-Rio, tem como preceito fundamental a “unidade na diversidade”. Constrói-se a partir de uma história de luta em favor dos direitos humanos, da democracia, da paz, da justiça social, da igualdade de gênero, do diálogo entre diferentes religiões.

Deste modo, a fim de afirmar o compromisso com uma agenda de respeito o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs decidiu continuar a campanha iniciada pelo CONIC-Rio para ajudar a reconstruir não só o terreiro de Duque de Caxias, mas outros que têm sofrido violências semelhantes. Para tal, criou um Fundo de Solidariedade para o Enfrentamento das Violências Religiosas, e para implementá-lo, pede o apoio de todas as pessoas e organizações que acreditam na paz e na solidariedade como meio de construir uma sociedade mais justa e mais amorosa.

Maiores detalhes podem ser encontrados no endereço: http://www.conic.org.br/portal/noticias/2421-fundo-de-solidariedade-para-o-enfrentamento-das-violencias-religiosas

Lusmarina Campos Garcia é Pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e doutoranda da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

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