FASCISMO ETERNO

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readNov 16, 2017

Gravidade dos recentes acontecimentos no Brasil

Foto: Divulgação

Não é de hoje o uso disseminado do termo “fascista” para se referir aos opositores políticos da esquerda, e nesse caso deveria ser óbvio afirmar que se chamamos tudo de “fascista” o próprio termo perde sua força explicativa. Se é para de fato levarmos o fascismo a sério, esse caminho generalizante pouco contribui. Seguindo o saudoso Leandro Konder, é preciso pensar que o fascismo é uma direita bastante específica.

Em 1995, Umberto Eco — intelectual italiano que vivenciou o regime fascista — em uma conferência na Universidade de Columbia, elaborou uma rápida caracterização do que chamou “Ur-Fascismo” ou “fascismo eterno”, quer dizer, uma ideologia e vontade de governar que, independentemente das circunstâncias históricas, parece estar sempre ali, à espreita, esperando um mínimo descuido para se apoderar de um governo nacional, uma sociedade, um país. Eco reconhece que nem todos os regimes totalitários são iguais, mas ao mesmo tempo encontrou alguns traços comuns, ou melhor, recursos que a maioria empregou para seduzir a população e tomar o poder político. “O Ur-Fascismo”, adverte Eco, “pode voltar todavia com as aparências mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo sobre cada uma de suas novas formas, todo dia, em todas as partes do mundo”.

Das catorze características do fascismo eterno estabelecidas por Eco destacam-se: “O culto da tradição”, “Medo ao diferente”, “Apelo às classes médias frustradas”, “Nacionalismo e xenofobia”, “Antipacifismo”, “Elitismo” e “Rechaço ao pensamento crítico”.

Neste sentido, é imperioso que reflitamos sobre a gravidade dos recentes acontecimentos no Brasil. Não pode haver espaço para a hesitação estratégica ou para a tecnicalidade política covarde.

Vivemos, sim, tempos sombrios em que a filósofa norte-americana, Judith Butler, é obrigada a enfrentar protestos grotescos nos quais uma boneca com o seu rosto, em tamanho natural, foi queimada. Ou ainda, manifestantes, que nunca sequer folhearam um livro da autora, protestando contra o que chamam de “ideologia de gênero”, supostamente estimulada pela obra da filósofa, além de empunharem cartazes pedindo por intervenção militar no Brasil. Detalhe importante: Butler foi convidada para vir ao país e falar sobre o futuro da democracia. Mesmo no aeroporto de Congonhas para regressar aos Estados Unidos, a filósofa e sua companheira foram agredidas por meio de xingamentos gratuitos como “assassina”, “porca”, “destruidora das famílias” e “corruptora de menores”.

Ora, casos como esse evidenciam o crescimento aterrador do discurso propriamente fascista na esfera pública brasileira. Aliás, personalidades políticas que podemos definir como fascistas saíram das sombras para atuar com desenvoltura e proferir despautérios sem o menor constrangimento.

Para os fascistas, pensar é uma forma de castração. A conduta machista obtusa, bem como o ódio à homossexualidade também compõem o ethos de qualquer fascista. Como alerta Eco, em nome das gerações futuras, lutar contra esse tipo de irracionalismo, desvendá-lo, trata-se de uma obrigação não apenas política, mas principalmente moral.

Victor Leandro Chaves Gomes

Historiador e Cientista Político. Professor do Departamento de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais (DEI) da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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