“FAZ ESCURO, MAS EU CANTO”: Acolher todos os livros do Rubem Alves

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readFeb 11, 2020

Por Maurício Amazonas

Para Niedja Amazonas, minha filha Setúbal, 10 de fevereiro de 2020

Foto: Rubem Alves, Divulgação

Qualquer brasileiro ou brasileira, na média dos 30 anos, que tenha frequentado uma biblioteca, quer na sua casa, quer numa escola pública ou particular, há de saber quem foi Rubem Alves (1933–2014). Mineiro de Boa Esperança, estudou teologia em São Paulo, foi pastor presbiteriano, mestre em Teologia e doutor em Filosofia nos EUA, professor da Unicamp. Além de teólogo, foi cronista. Exerceu a Psicanálise. Dizia-se músico frustrado. Era, por excelência, um escritor de estórias para crianças grandes e pequenas.

Minha geração de pastore/as, teólogo/as e pedagogo/as, todo/as bebemos na fonte do Rubem. Por causa da sua leitura, fomos encaminhado/as às leituras de Saint-Exupéry, F. Nietzsche, Adélia Prado, Cecília Meireles, Manoel de Barros, S. Agostinho, Guimarães Rosa, Murilo Mendes, Fernando Pessoa, S. Freud, F. Fellini, Ingmar Bergman, Mozart, Bach, Beethoven, Ludwig Wittgestein, Picasso, Dalí, Escher, Neruda e seu mestre Richard Shaull (1919–2002). Aprendemos que o verdadeiro/a autor/a é aquele/a que aponta não para si, mas para o/a outro/a e provoca o diálogo.

Rubem Alves nos ensinou a amar a poesia, o jardim, a música, o cinema, a literatura, a pintura, a arquitetura. Educação para os olhos e ouvidos, para os sentidos e para a alma. Depois dele, era impossível ler, ouvir e ver do mesmo jeito. Também amava a culinária. Foi quem nos falou que a fruta do paraíso não foi uma maçã, mas um caqui. Depois dele, também aprendemos o prazer de comer e beber melhor.

Como não amar uma pessoa dessas? Pois há quem fale mal dele. Até falam mal do seu amigo Paulo Freire. Gente que exalta torturadores e estupradores. Gente que não quer o povo educado de alma e sentidos. Gente que odeia a poesia. Gente que ama armas de fogo. Gente que não quer ver o povo com livros na mão, livre e criativo nas artes e na vida. Gente que corrói a ética e destrói a estética. Gente que montou um governo de gente tosca, comportando-se como bestas quadradas, que mandou recolher todos os livros do Rubem Alves.

Tomara aconteça o mesmo que aconteceu aos livros do Paulo Freire que, depois de “elogiados” pela trupe dos boçais, cresceram vertiginosamente no mercado de vendas. Sabemos que essa noite vai passar. Com Rubem Alves e Thiago de Mello, dizemos: “Faz escuro, mas eu canto”. Como na fala do poema bíblico, oramos: “O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem ao amanhecer” (Salmo 30.5b). Acreditamos seriamente que “a história é o cemitério dos impérios e dos tiranos”, como dizia Dom Robinson Cavalcanti. Rubem Alves, assim como a poesia, é tão leve quanto o vento para se deixar prender por um decreto de trogloditas. Viva a poesia e a liberdade. Viva Rubem Alves.

MAURÍCIO AMAZONAS

Estudou Sociologia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Mestre em Ciências da Religião e professor de Teologia do Novo Testamento. Pastor da Paróquia Anglicana Jardim das Oliveiras em Recife, Pernambuco. Presidente do Instituto Robinson Cavalcanti — IRC.

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