Jesus não tem espírito natalino

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readDec 18, 2018

Por Manoel Botelho

Foto: Kabutha Kago. Nairobi, Kenya. Behance

A época do Natal é a época que se celebra o nascimento de Jesus, um simbolismo forte, pois significa o nascimento do salvador, do redentor, aliás, não há cristianismo sem Cristo e só há Cristo porque houve Jesus. O nascimento de Jesus é o nascimento da esperança de salvação, interessante notar que esse nascimento aconteceu num ambiente periférico, de deslocamento e de exílio.

O verbo se fez carne no filho de um refugiado que não tinha onde nascer e ao nascer teve que ser escondido no exílio e assim Maria foi uma das poucas mães que não chorou a morte de seu filho pois o escondeu no Egito quando Herodes mandou matar todos (Mat. 2.16).

Para as/os cristãs/cristãos o nascimento de Jesus tem sentido por causa da sua vida e morte, sua vida só foi possível pois ele foi exilado. Nancy Cardoso disse: “Vou correr e chorar com eles, porque é lá, na periferia da ocupação do império e dos seus soldados que Deus vai escolher novamente a tornar-se humana e habitar entre nós.”[1] Não é em meio aos poderosos, no império que Jesus tem espaço, mas é na periferia, é entre os marginalizados, refugiados e exilados que ele tem espaço.
Dentro do espírito natalino será que há espaço para o “espírito de Jesus?” Dentro do ‘espírito’ dos grandes: poderosos, imperadores, senhores de terra e etc, não importa nada além do controle a manutenção do seu próprio poder. De maneira que é necessário, nesse caso, assumir que algumas vidas valem mais do que outras, pior do que isso, que algumas vidas não têm nenhum valor.

Não só em seu nascimento, mas depois de adulto, Jesus também mostrou uma clara opção pelo lado oposto do império. Ele era um sinal de constante contradição, a qual já tinha sido anunciada (Luc 2, 34). Durante sua vida chamou um samaritano –“estrangeiro impuro”– de próximo, conversou com mulheres consideradas “impuras”, trabalhou no sábado — porque se importou com a vida e não com as regras –, não julgou uma adúltera, e tantos outros gestos que mostram que Jesus nunca serviu aos interesses do império e nem quis satisfazer os anseios imperiais da sua própria religião. Aliás, ele também se identificou, durante sua vida, com quem tem fome, quem tem sede, quem não tem abrigo (Mt 25:25–45), não seria esse o espírito de Jesus?

O nascimento e a vida de Jesus nos mostram que o império não se importa com as pessoas, sejam crianças, mulheres, jovens ou adultos, isto é, não lhe interessa a vida e sim manter o poder a qualquer preço.

Por isto, há e sempre haverá duas opções no natal, ceder ao império e suas forças (às vezes é o caminho mais curto e fácil) mantendo assim alguns privilégios, cantando musicais natalinas, vendo o brilho do pisca-pisca enquanto do outro lado a opção é se juntar a Jesus e seu caminho aparentemente contraditório de quebrar regras em prol da vida. Em qualquer lugar do mundo estamos diante dessas duas opções, o império ou a vida, e principalmente a vida das vítimas do império.

O desejo cristão é que o espírito de Jesus sempre nasça e renasça na vida das pessoas e da sociedade, o desejo é que seja sempre natal.
Contudo, se esquece que ele nasce a revelia do interesse dos “podres poderes” — pra caetanear um pouco.

No Brasil país que a pobreza aumenta[2]; que mais se assassina homossexuais no mundo[3]; que tem sua população negra presa, morta e marginalizada[4]; que 5 pessoas têm mais dinheiro que metade mais pobre do pais[5]; Brasil de tantas e diversas injustiças e desigualdades[6].

Brasil de tanta gente periférica, marginal, Brasil que tem bastante lugar para Jesus nascer e renascer.

Eu ouso dizer que só é natal quando é natal na periferia com os marginalizados, longe do império… o resto são luzes, comida, musicais e cantatas. Jesus não nasce no glamour dos nossos musicais natalinos, Jesus não nasce no tão bonito “espírito de natal”.

Manoel Botelho. Integra a Rede Ecumênica de Juventude. Foi observador de Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados e é professor nas áreas de política e filosofia.

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