JUSTIFICAÇÃO RELIGIOSA PARA FINS PÚBLICOS

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readFeb 12, 2020

Por Valdemar Figueredo

O pluralismo da sociedade americana é mito de origem

Foto: Robert Neelly Bellah, Divulgação

Essa dinâmica de justificação religiosa para fins públicos é analisada na tradição da filosofia política. O interessante, no caso dos colonos americanos, é que as noções de política como da competência pública e a religião do privado ganham contornos próprios. Se as realidades religiosas trabalham as questões espirituais, a Religião Civil Americana trabalhou o que o autor chamou de Espírito Nacional.

Os Puritanos estabeleciam a tensão vivida pelos eleitos entre as coisas terrenas e as espirituais. Uma vez eleito para a salvação eterna, manifestava na vida terrena as evidências da sua eleição. Os bons empreendimentos comerciais, a prosperidade econômica, os perigos dos prazeres mundanos evitados com rígida disciplina são alguns dos sinais distintivos daqueles que trabalhavam para conciliar salvação e sucesso. O autor analisa fontes onde essa pregação Puritana esteve presente, tornando-se tão marcante para trajetórias individuais e destinos do Estado Norte Americano. Vemos mais uma vez como uma doutrina religiosa — calvinismo — supera os limites espirituais e ganha projeção social. Segundo o pensamento Puritano, a vida de santidade estará sempre diante do assédio do pecado. No entanto, o sucesso humano não fica caracterizado como paixão pelas coisas mundanas. O sucesso conforma-se à doutrina calvinista da eleição. Ser bem-sucedido evidencia a vocação que cada um recebeu de Deus.

Quanto ao mito de que a América era o refúgio dos grupos oprimidos, um tipo de terra onde vigorava a liberdade para todos. Houve de fato igualdade de oportunidades para os povos nativos e os diversos povos que migraram para a América? O que o autor defende é que os Anglo-Saxões moldaram a colônia para eles próprios e que a retórica da liberdade não se transformou em realidade para todos. Se soaram longe os sons de que a América era a terra das oportunidades e que havia liberdade para quem quisesse empreender, os grupos de imigrantes, em circunstâncias diversas, afluíram para o atraente “Mundo Novo”. Fica caracterizado que as categorias democracia, pluralismo e liberdade, na formação da nação americana, não passaram de Mito.

Um termo usado por Bellah para se referir à noção de América como sociedade plural e igualitária: farisaísmo moralista. Na tradição bíblica, os fariseus eram exemplo de duplicidade: uma coisa na aparência e outra coisa na essência. Sendo assim, o tão festejado pluralismo da sociedade americana é tido pelo autor como Mito de origem. Não mais do que um Mito.

Por conta do que já foi exposto, fica facilitado afirmar que o socialismo não teve poder de atração na sociedade americana. Uma sociedade fundamentada num certo pensamento teológico, como, por exemplo, o Puritanismo, obviamente encontrou dificuldades com o socialismo proclamado como ateu. As propostas de coletivismo esbarraram numa sociedade fundamentada no individualismo. Fica demonstrado que assim como o pertencimento religioso moldou comportamentos políticos e econômicos, o mesmo vínculo foi determinante para que a resposta à opção socialista fosse a de repulsa. Vemos que além dos embates teóricos na esfera política e econômica, havia desencontros de ordem religiosa. Desta forma, recusar as propostas socialistas ganharam status de luta moral.

No nascimento dos novos mitos americanos o autor considera que as mesmas raízes, se regadas, darão os mesmos frutos. Ou seja, a visão crítica da tradição da Nação Norte Americana, ao analisar a atual conjuntura, se ressente do potencial de novos mitos suplantarem as “verdades”. Neste caso, os Estados Unidos estariam alimentando muitas ambiguidades que confundem no momento em que se buscam explicações sobre sua identidade e seu destino.

Valdemar Figueredo (Dema)

Editor Instituto Mosaico, professor universitário e pastor batista. Doutor em ciência política (IUPERJ) e em teologia (PUC-RJ). Mengão, periferia, MPB e poesia.

www.institutomosaico.com.br

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