Por uma liderança que venha do coletivo

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readNov 7, 2017

Talvez seja o salto que o Brasil precisa: Acreditar mais na força do seu coletivo.

Foto de Caio Cestari

Para Kurt Lewin sempre que um homem se junta a um grupo é, significativamente, mudado e induz mudanças nos outros membros. Quanto mais atrativo for um grupo, mais pressão exerce sobre os seus membros. Mas há grupos fracos que podem ser deliberadamente enfraquecidos. Verificou-se também que a mudança da situação autocrática para a democrática, que é bem-vinda, demora mais tempo a estabilizar do que o inverso disso. Lewin comenta que a autocracia é imposta ao indivíduo, mas a democracia tem de ser por ele aprendida. É uma construção do grupo.

O bem-estar do trabalhador não é resultado apenas de questões como diminuição das horas de trabalho e da organização da tarefa, mas fundamentalmente da sua postura psicológica — do valor intrínseco do próprio trabalho. O valor social e significado que atribui ao trabalho.

No entanto, o que, atualmente, é ensinado sobre liderança? Hoje vemos uma diferença significativa na literatura gerencialista. É que ela tem sido mais associada a uma força pessoal, à ideia de heroísmo. É o que você mais vê nas livrarias e palestras.

Hoje é preciso ter um quê de herói. Nas empresas a liderança é explicada pelo comportamento empreendedor, corajoso, emancipado e inteligente, e não pela construção de processo grupal. Pressupõe-se que a eficácia dos empreendimentos coletivos pode ser explicada através de algumas características pessoais que capacitam o indivíduo a controlar etapas do processo de produção.

Hoje é comum personalizar o sucesso — Fulano é empreendedor, emancipado, firme. Então é esse que eu quero, e nem se toca nas implicações que isso traz para o coletivo. Sai o indivíduo e o grupo murcha. É isso?

Liderança baseada apenas na força individual de uma pessoa não sustenta a emancipação de um grupo. Hofstede estudou como diferentes culturas tratam a questão da maior ou menor dependência do grupo em relação à figura do líder. Qual é a nossa influência cultural mais predominante no Brasil? Temos heranças culturais baseadas em líderes heroicos ou na força do grupo, associativismo e coletividade?

Se você abrir as ciências sociais verá que liderança não é um papel permanente, mas uma qualidade do grupo em contínua construção. Liderança é um poder relacional. É um empoderamento que se dá ao grupo e é conquistado por ele.

Clarisse Lispector certa vez perguntou ao psicanalista Hélio Pellegrino o que é mais importante para uma pessoa no trabalho. Segundo ele, o ser humano é, em essência, preparação da comida, invenção do fogo, trabalho sobre o ser — para ser. Através do trabalho, garimpa o significado do mundo e de si próprio, toca com mão humana o real, e o transpassa. Por isso é que a realidade, dada ao homem como pura natureza, não lhe pode bastar. E o trabalho é isso: ir além. Engana-se quem vê no trabalho apenas rotina.

O ser humano não se contenta jamais em dissolver-se na circunstância que o rodeia e por vezes o aprisiona. Ele está condenado a transformar o meio ambiente em mundo humano e adaptável a ele. Isso significa que o homem, para consentir no ser, tem que sonha-lo. O sonho é a insônia de Deus em nós. O suor do trabalho é o suor do seu sonho, onde ele vai ao mundo para transformá-lo através do seu ofício. Aí encontramos o sentido do trabalho.

O trabalho é relacional e diz muito sobre quem somos, sobre a nossa relação com o Outro, sobre o que acreditamos e dentro de que propósito vivemos. A partir daí, o pão nosso de cada dia, por mais árduo que seja, tem outro sabor. E por nós é conquistado e semeado na possibilidade do ser humano ser livre, bom, reto, responsável e humano. O trabalho pressupõe o envolvimento do indivíduo com a obra que realiza. A forma como potencializa sua ação dialoga com os vínculos que estabelece com a coletividade.

Acredito na liderança que emerge do coletivo. Talvez seja o salto que o Brasil precisa: Acreditar mais na força do seu coletivo. Menos messianismo e influência da nossa herança monárquica, getulista e outras forças fundadas no poder pessoal de determinados dirigentes. Ser protagonista do próprio destino e acreditar na força da mudança ou do quanto podemos sim intervir nos rumos da história.

Carlos Netto. Diretor de Estratégia e Organização do Banco do Brasil. Graduado em História Social (UFRJ), Mestre em Comunicação Social(UFRJ) e Mestre em História das Relações Internacionais (UERJ)e Doutor em Psicologia Social (USP).

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