NÃO DEIXEI DE TER A MENTALIDADE DE ARATUÍPE: #OrgulhoDoNordeste #paraíba

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readJul 20, 2019

Por Valdemar Figueredo (Dema)

Foto: Divulgação, Artesanato em Maragogipinho

Sou baiano (ou paraíba) de Aratuípe. Antes da colonização era habitada pelos índios Tupinambás. Rodovia BA-001 nos atravessa. A histórica Nazaré das Farinhas é nossa vizinha famosa. Santo Antônio de Jesus ladeia também. A dita capital do Recôncavo Baiano realiza uma festa junina que só vendo.

São Bernardo fica pertinho, lá viveu meu pai. De dia era o seu Valdemar da venda (armazém de secos e molhados) e de noite era o pregador da Igreja Batista Zoar. Sarara manco, olhos azuis, cabelo bem crespo, mestiço. Víamos claramente que o branquelo revelava traços de negro.

Já minha mãe, baiana nascida no município de Belmonte, lá para as bandas de Santa Cruz Cabrália. Raimunda é origem. De fato, Porto Seguro. Ardência de pimenta harmonizando com a doçura da cana. Filha de índio, de misturas, acontecências.

Morena de peitos fartos e filhos fortes. “Paraíba” que migrou com os sete filhos para o Rio de Janeiro em pleno milagre brasileiro na década de 1970. Empregada doméstica, servente no hospital, acompanhante de idosos, auxiliar de enfermagem. Uma índia guerreira mantendo a cria viva em plena selva de pedra. Fomos morar no bairro de Olaria. Conjunto residencial popular com janelas para o Morro do Alemão.

Maragogipinho é distrito do município de Aratuípe. Lá há dezenas de olarias. Olarias em formato de ocas indígenas. Segundo a UNESCO, “Maior Centro Cerâmico da América Latina”. Gente acostumada a transformar barro em arte. Trabalho artesanal com suor e riso no rosto. A argila sem forma e vazia ganha vida com sopro, toques e fogo.

Reduzir pejorativamente os nordestinos a condição de ‘paraíbas’ não é brincadeira. A ignorância dura não permite toques transformadores. A cultura do ódio não aprecia a arte da conversa. O pré-conceito enrijece, arranha, endurece e petrifica. A putaria, ainda que em nome de Deus, continua sendo sacanagem. Governar aconselhado pela vingança é o mesmo que assinar contrato com o coisa ruim. Marketing tosco de artistas sem criatividade e palhaços sem graça.

Talvez um dia os apoiadores dessa dessas coisas sintam vergonha, não do que os ditos fizeram, mas do que eles mesmos admitiram, rindo, naturalizando coisas que de tão perversas são desumanas.

Antes dos costumeiros ataques e desqualificações saibam que o que me move não são as ideologias nem as filiações políticas partidárias, mas um amor enorme por essa gente que faz arte do barro com suor e riso. Tenho lado. Sou filho de Valdemar e Raimunda. Nasci na casa 62 da rua Manoel Vitorino.

O paraíba Ariano Suassuna foi um entusiasta defensor da cultura nordestina com o seu Movimento Armorial. Disse ele no discurso de posse na Academia Brasileira de Letras que o fardão era um vestuário símbolo de distinção, poder e pompa que não lhe traduzia. Vestia-se com roupas feitas por costureiras nordestinas que indicavam que estava convocado para o serviço. Queria ser identificado como um escritor pertencente ao Brasil real de gente que habita as favelas urbanas e os arraiais do campo.

As roupas simples e as alpercatas, dizia Suassuna, não fazem com que o patriarcado rural ou a burguesia urbana se transformem em um camponês pobre. Não é esse o ponto. O uso litúrgico dos rituais sociais serve para lembrar-nos que não queremos ser coniventes com o caricato e burlesco do país oficial.

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor universitário, escritor e pastor. Editor e colunista do Instituto Mosaico. Graduado em Teologia (STBSB, 1993) e em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ, 2000). Mestre em Ciência Política (UFRJ, 2002), Doutor em Ciência Política (IUPERJ, 2008) e em Teologia (PUC-RJ, 2018).

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