“NÃO HÁ MAL QUE SEMPRE DURE”

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
Published in
3 min readJan 1, 2021

Por Fernando Roberto de Freitas Almeida

Imagem: Site Olhar Digital

Abri 2020 neste espaço com o texto “O que faremos para, ao menos, minorar o desastre?”. O novo coronavírus já circulava pelo mundo, mas não se tinha ideia do que aconteceria. O foco era a situação brasileira, pois se tinha bem claro, há meses, que o governo de Jair Messias Bolsonaro continuava sem projeto para o país, a não ser destruir avanços sociais (o que ele mesmo afirmou em viagem aos EUA) e eliminar quaisquer vestígios de defesa da soberania e busca de protagonismo no cenário internacional.

A Covid-19, lamentavelmente, confirmou a obsessão pela Necropolítica do governante e seus seguidores. Como bem explicou Mariana Ferrari, no site Ponte Jornalismo, “Necropolítica é um conceito desenvolvido pelo filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário camaronense Achille Mbembe que, em 2003, escreveu um ensaio questionando os limites da soberania quando o Estado escolhe quem deve viver e quem deve morrer. […] Para Mbembe, quando se nega a humanidade do outro, qualquer violência torna-se possível, de agressões até morte”.

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Todos os tipos de negacionismos foram apresentados pela presidência da República, que levou à demissão de dois ministros da Saúde, médicos, substituídos por um general da ativa, considerado “especialista em Logística”. O fato de chegarmos a 31 de dezembro sem sequer termos garantidas agulhas e seringas, para vacinas que nem foram autorizadas, mas com países vizinhos já vacinando suas populações, seria ilustrativo da total irresponsabilidade oficial.

Termos até esta data mais de 192 mil mortes e mais de 7 milhões de casos oficialmente registrados (os dois números são de fato bem maiores) escandaliza toda a população bem informada do planeta. Alguns analistas, num balanço de fim de ano, tentam até encontrar algo de positivo, por incrível que pareça, num momento tão catastrófico. No máximo, apresentam a rapidez com a que a Ciência pôde apresentar vacinas, derivadas de antigas e de novíssimas técnicas. Contudo, sequer esta “positividade” cabe ao Brasil, local estranho em que autoridades continuam negando a letalidade da pandemia, sabotando pesquisas e politizando a morte.

Outros, citam casos pontuais de solidariedade, e todos destacam o verdadeiro heroísmo de pesquisadoras, pesquisadores, médicas, médicos, enfermeiras e enfermeiros, na luta diária contra o vírus. Sobre “minorar o desastre”, não há o quê fazer para remediar perdas de amigos e parentes e se sabe — ou pelo menos se deveria saber — que, mesmo com a vacinação em larga escala, não será possível cobrir 7,85 bilhões de seres humanos na Terra com brevidade.

Cabe destacar, todo o tempo, que 218.523.096 brasileiras e brasileiros estimados para o dia 31/12/2020 continuarão dependendo de sua cor da pele, situação social e nível de renda (a primeira variável, infelizmente, é ainda a mais relevante por aqui) para sobreviverem ao longo de 2021. Pelo menos, diz a sabedoria popular: “não há mal que sempre dure”. Batalhemos por dias melhores. Vai passar.

Fernando Roberto de Freitas Almeida

Carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenador do curso de Relações Internacionais

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