O encantamento é um “sim” a uma pergunta que não fiz

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
Published in
2 min readAug 7, 2017

Quero ser como aquelas crianças que ganham um presente e se encantam com a caixa

Fotografia: Malena Valcárcel, Alicante/Alacant, Espanha

Sou refém da desencantadora realidade diária. Tanto da banalização do morrer, quanto do concretamento da vida. O encanto dos seres, das coisas e das não-coisas vai sendo aprisionado, reduzido ou subtraído. A beleza foi substituída pela verdade e, agora, a verdade é substituída pela pergunta “O que eu ganho com isso?”.

E, por favor, não me venha com “o conhecimento é que desencanta”. Se você aprecia uma determinada obra de arte, saber mais sobre o artista, suas influências, técnicas e estilo, e sobre seu lugar na história e no mundo, só aumentará seu encantamento. Mas, vá lá, ainda que as ciências do ínfimo ao infinito não potencializem o encantamento, elas jamais desencantarão. Há jardins nas fronteiras da razão.

Quero ser como aquelas crianças que ganham um presente e se encantam com a caixa. Elas não dão qualquer importância ou atenção à tecnologia embarcada, e nem têm o menor respeito pelo custo do investimento. O principal não é o brinquedo, é o brincar. E eu preciso insignificar meus brinquedos e resignificar meu brincar.

Enquanto meus sobrinhos caçulas se divertem com as caixas dos brinquedos, a avó paterna tenta — sem sucesso — fazê-los papar: “Olha lá, Del, estão tão intertidos que até esquecem da vida.” É, mãe, e nós aqui, agendados com ocupações distrativas e desocupações destrutivas, esquecemos que viver é nos entretermos com algo, ou alguém, que nos faça esquecer do tempo, que nos faça esquecer da vida.

Dercinei Figueiredo | dercinei@email.com

Entre outras coisas que não estou pronto, não posso ou não quero revelar: já saltei de paraquedas; dei perda total em um carro, enfiei a cabeça em um mourão de cerca, atropelei um poste e fui atropelado; caí de skate, bicicleta e moto; transei sem camisinha, bebi e fumei; levei socos, pontapés, fui alvejado e esfaqueado; fui cirurgiado três vezes; fui professor, e sou pastor há 25 anos.

CONTATO | Leia-me, contate-me e persiga-me em https://www.facebook.com/Dercinei, https://medium.com/@dercinei, https://dercinei.tumblr.com/, https://cotidianas2.tumblr.com/ e https://twitter.com/dercinei

--

--