O PAÍS DAS JABUTICABAS E DOS PRIVILÉGIOS ABERRANTES

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readJul 24, 2018

Por Fernando Almeida

Foto: Júlia Ciriaco

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e sua população foi convencida de que esta é apenas uma das características nacionais, tão típica quanto a jabuticaba. A naturalização dessa forma perversa de sociedade foi bem construída ao longo de séculos. Considerar que pode ser assim porque Deus quis, por desígnios misteriosos, é resultado de muita desinformação, em que sempre se ignoraram as críticas incisivas, oportunamente punindo seus autores, bastando lembrar do caso de Josué de Castro, autor de “Geografia da Fome”.

Em tempos de ditadura, nem pensar em falar a respeito, por ser uma ditadura das elites de renda, que bem manipularam o aparato militar. Em tempos de estado de exceção sendo implantado, como hoje, volta-se a ver esses movimentos de controle, quando um governo não eleito implanta um programa que nunca venceria nas urnas e combate sistematicamente a Educação e a Ciência.

Cabe observar que o processo de construção das desigualdades deu-se em todas as esferas de poder, criando-se ambiente de culto de uma falsa meritocracia, que leva os cidadãos pobres a serem considerados pouco “empreendedores”, com escasso interesse pelo trabalho.

Entre as classes médias, também viceja a ideia de que a não derrubada de regimes de privilégio lhes interessa, pelo simples motivo egoísta de terem sido ensinadas quanto à possibilidade de algum dia se beneficiarem de privilégios. Muitos deles são completamente indecentes, não sendo preciso adotar um moralismo udenista para pensar desse modo.

Pode-se citar apenas o que ocorre no mais fechado e elitista dos poderes, o Judiciário, cujas aberrações chegaram a tal ponto que mesmo a grande imprensa, beneficiada pelas leis brasileiras que não punem cartéis, monopólios, nem a propriedade de meios de comunicação por políticos e líderes religiosos, passou a combater.

Para um cidadão comum, que não tenha onde morar, o auxílio-aluguel é de R$ 400,00, mas o auxílio-moradia de um juiz (estendido pelo ministro Luiz Fux, do STF, aos 18 mil juízes brasileiros), é de R$ 4.378,00.

Nosso país tem um déficit habitacional de 6,3 milhões de domicílios, mas há uma quantidade expressiva de casas e apartamentos vazios, além de prédios abandonados, enquanto só quem não quer não vê a quantidade imensa de famílias vivendo sob marquises. Voltando ao caso dos juízes, eles também recebem auxílio-pré-escolar de R$ 712,00, auxílio-alimentação de quase um salário mínimo, além de seus polpudos vencimentos. O auxílio-moradia (existe também no Ministério Público e no Legislativo) custa R$ 1,6 bilhão anuais, o que pagaria 333 mil auxílios-aluguel, ou permitiria construir 12 mil residências.

Ora, 13% de nossas crianças de até cinco anos têm desnutrição crônica e 440 mil delas estão fora da pré-escola, metade por falta de vagas e o que se propôs para “resolver” esta situação abominável? Incorporar o aberrante auxílio-moradia (pago também a quem tem casa) aos vencimentos dos meritíssimos. Esperam-se declarações dos presidenciáveis a respeito.

Fernando Roberto de Freitas Almeida, carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF)

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