O PLANO DE PODER DO BISPO MACEDO

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readApr 28, 2018

Por Valdemar (Dema)

Foto: Divulgação / Flickr

Está em curso. Não fazem segredo. A Igreja Universal do Reino de Deus e a rede de comunicação ligada a ela têm na figura do Bispo Edir Macedo a sua maior referência. O fundador é incontestavelmente o líder máximo e vitalício. Então, importa saber o que ele pensa sobre a política.

Alguém poderia objetar que o livro Plano de Poder foi publicado em 2008. Contudo, quem leu a obra e observa a realidade do grupo na última década provavelmente vai concluir que o autor permanece fiel aos seus propósitos. A realidade política da IURD não destoa do Plano de Poder traçado. [1]

A primeira palavra, na primeira linha, na primeira página da introdução: Emancipação. Trata-se de um termo caro à política. O que justifica a organização dos movimentos sociais é justamente a promoção da emancipação social. O que determina a formação de partidos políticos no sistema democrático são as bandeiras que anunciam emancipação humana. Tanto o Estado como a sociedade civil estão comprometidos, em tese, na luta diária pela promoção do humano nas suas diferentes formas.

Edir Macedo e o seu escriba (Carlos Oliveira — nome perfeito para um “ghost writer”) dizem que existe previamente um projeto de nação. A emancipação social depende da aplicação da visão estadista de Deus. Isto mesmo, cabe-nos descobrir qual projeto é este. O projeto divino de nação existe e quem o conhece se sente responsável em executá-lo.

Antes de conclusões precipitadas e viciadas, os autores advertem quanto ao objetivo da obra:

[…] esta obra não se propõe à incitação de um regime teocrático. Até porque o Estado brasileiro é laico e a liberdade de crença é assegurada constitucionalmente. Mas o real intuito é despertar o potencial — que tem estado adormecido — de um povo com propostas sérias, progressistas e inovadoras. (MACEDO, 2008, p. 10)

Diria que soa estranho na introdução de uma obra atual lermos o esclarecimento de que não se trata de uma “incitação de um regime teocrático”. Mas quem estaria pensando isso de um grupo religioso brasileiro em pleno século XXI? Justificativa dispensável? Acho que não. Ainda bem que revelou que a exposição bíblica e técnica não resvala da teocracia evangélica à IURD.

Justiça seja feita, quando o Bispo Macedo se refere a “povo com propostas sérias, progressistas e inovadoras”, ele fala somente pelo seu rebanho. Nunca foi dado a falar em nome dos “evangélicos”. A propósito, o marco comparativo, a relação dialógica que confere identidade à IURD, nunca foi afirmação ou negação dos grupos evangélicos. Em termos do campo das comunicações, o Bispo mirou na Rede Globo e, na arena religiosa, na Igreja Católica.

Ainda na introdução da obra diz que não pretende construir uma teocracia iurdiana, contudo, segundo ele, o país vive a cinco séculos num tipo de “semiteocracia”. Dessa forma, a premissa do livro Plano de Poder diz respeito ao poder político da Igreja Católica no Brasil. O Plano de Poder do Bispo Macedo visa não construir uma teocracia, mas a destruir a que supostamente vigora no Brasil.

Com a ascensão política da IURD na primeira década do século XXI, o debate para entender o fenômeno foi desde as composições partidárias eleitorais até as pesquisas acadêmicas, nacionais e internacionais. O interesse pela compreensão passou certamente pela sociedade brasileira nos seus diversos espaços. A cobertura jornalística alternou a linguagem grotesca com o estilo jocoso.

Mas tratando-se especificamente do debate acadêmico em torno do fenômeno eleitoral IURD, recordo-me de uma tese defendida pelo Ari Pedro Oro em que ele remetia a eficácia institucional ao mecanismo de racionalização política do grupo religioso. Por mais engenhoso que pudesse parecer o processo, o pesquisador utilizava como fonte para o seu trabalho os dados eleitorais. Política para IURD, desde os idos dos anos 2000, não era operada por líderes do típico carismático, mas por políticos profissionais que não misturavam as “estações” dos seus amplos e potentes canais de comunicação.

Nessa linha de raciocínio, Oro arremata que os fenômenos de participação eleitoral e representação política estavam provocando efeitos miméticos. Isto é, igrejas evangélicas que almejavam alcançar resultados eleitorais similares aos da IURD começaram a imitar as suas estruturas de comitês políticos-eclesiásticos. Estaria em curso no Brasil um caso concreto de eficácia institucional que permitia “religiogizar o político”.

No mesmo livro em que o artigo de Oro foi publicado, outro brilhante pesquisador, Joanildo Burity, levantou algumas questões discordando de Oro no que se refere à certa generalização no campo das igrejas evangélicas do modo de fazer política. [2] O tal do efeito mimético. Sem querer “reeditar” a linha de raciocínio de Burity, em tom conclusivo, basta dizer que esta conversa entre os renomados intelectuais ocorreu antes da publicação de Plano de Poder.

Muitas especulações e interpretações que fazíamos tornaram-se obsoletas. Quem não quiser ler livros e artigos, basta acompanhar as performances políticas iurdianas para entender do que se trata o tal PLANO DE PODER.

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor, Escritor e Diretor/Editor do Instituto Mosaico. Doutor em Ciência Política (IUPERJ) e doutorando em Teologia (PUC-RJ)

[1] MACEDO, Bispo. Plano de poder: Deus, os cristãos e a política. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2008.

[2] Sobre os artigos de Ari Pedro Oro e Joanildo Burity, ver: BURITY, Joanildo; MACHADO, Maria das Dores C. (Organizadores). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Ed. Massangana, 2006

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