O que a Tuiuti nos ensinou sobre o Brasil contemporâneo

Redação — Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readFeb 17, 2018

Por Fernando Roberto de Freitas Almeida

Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Rindo se castigam os costumes (Cícero)

Uma das maiores festas do mundo é o Carnaval do Rio de Janeiro e havia dúvidas sobre como seria realizado, em 2018, pelas dificuldades da economia e as peculiaridades do prefeito, um cidadão que não conhece a cidade, nem aprecia muitos de seus valores mais característicos.

Eis que, num esforço de superação, o povo coloca a festa num patamar de visibilidade planetária, não só pela beleza do evento. O mundo todo viu o desfile das Escolas de Samba e, de modo inesperado, recebeu gratuitamente uma aula. Não apenas sobre a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O grande mestre dessa aula foi uma pequena agremiação do bairro de São Cristóvão, o Grêmio Recreativo Escola de Samba Paraíso do Tuiuti.

A escola, de poucos recursos e última colocada no desfile de 2017, mostrou o que é o Brasil contemporâneo e mais, o que é o Brasil estruturalmente conservador, cuja elite o aprecia apenas para extrair dele o que pode. O país que mais demorou para encerrar a escravidão, uma relação social com a qual o capitalismo conviveu bem, que a Igreja Católica coonestou, e criou e mantém um complexo sistema de privilégios.

Desse pano de fundo vêm nossos juízes completamente alienados das condições de vida da população e nossos políticos salafrários. Os comentários da imprensa internacional, nos quais sempre procuramos as opiniões sobre nós mesmos (até porque a confiabilidade da imprensa local há tempos não é tão baixa) enfatizaram a existência de um presidente desprezado pela imensa maioria dos habitantes do país (95%), mera cópia de vampiro.

A elite nativa também aprendeu. Foi informada que existem Tuiuti e Taiti e que não têm nada a ver um com o outro. Foi de novo avisada que a cultura popular resiste e pode ser criativa e crítica. Podemos lembrar que, há trinta anos, em 1988, a tradicional escola de samba da Mangueira desenvolveu no Carnaval o enredo “Cem Anos de Liberdade: Realidade ou Ilusão?” também a respeito da persistência de graves problemas sociais e raciais, derivados de uma Abolição celebrada e mal feita. Era o ano da “Constituição Cidadã” e avançamos em questões sociais e costumes, desde então, mas longe do que seria o necessário para que todos aqui fossem considerados e tratados como cidadãos.

Jack Vasconcelos, o carnavalesco da Tuiuti, declarou ao jornal “O Dia”, interessado em saber de seu posicionamento político quanto à reforma trabalhista e identificando o vampiro do Neoliberalismo, o fecho do desfile, com Michel Temer: “Sou formado pelo ensino público, fui uma criança de escola pública, me formei em uma federal, em Belas Artes. Então, a população ajudou a me formar, foi dinheiro público que ajudou a pagar meus estudos e a manter as instituições em que me formei. Preciso prestar o serviço a ela (à sociedade), através da minha arte. Acho que é bom as pessoas se posicionarem mesmo. Acho bacana que o Carnaval tenha esse espaço e papel.

Quando retrocessos não param de acontecer e, num país ainda em construção, um governo congela gastos sociais por vinte anos, é necessário que muitos mais assumam esse papel.

Fernando Roberto de Freitas Almeida, carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF)

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