O SUPOSTO PROJETO DE PODER DOS “EVANGÉLICOS”

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readMay 23, 2018

Por Joanildo Albuquerque Burity

Marco Feliciano (PSC-SP) eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, 07/03/2013. Foto: Alexandra Martins/Agência Câmara

Não gosto de autopromoção, mas este artigo levanta uma questão muito interessante, pra mim e para meu amigo Ari Oro, e, quero crer, pra muita gente que se pergunta hoje, no Brasil, sobre “o projeto dos evangélicos”.

Este não é o lugar para responder com a justeza e rigor devidos ao desafio. Mas queria dar três palpites:

(1) Há, é verdade, um projeto — “plano de poder” — de certos grupos evangélicos no Brasil. Cada vez mais isso é perceptível. Já surgiram os candidatos à presidência, a base parlamentar, o arrazoado ideológico (nada como um golpe com direta participação de líderes políticos evangélicos para revelar isso!), os teólogos-assessores e os porta-vozes (a chamada tropa de choque da mídia tradicional evangélica e das novas mídias). Mas este projeto…

(2) Não é “dos evangélicos”. Quero dizer, não tem conteúdo evangélico, quero dizer, não simplesmente de tudo o que atende por esse nome, e não é encampado por todos os evangélicos. Nem entre os pentecostais.

A observação empírica, em todas as partes, revela a existência de um dissenso ineludível, em todas as denominações, em todas as comunidades, com duas características: uma desconfiança cada vez mais marcada da elite parlamentar evangélica em todos os níveis; e uma heterogeneidade quanto ao que representa a agenda e os métodos da presença pública das igrejas.

Dizer que se trata de uma minoria dissidente é um truísmo: dissidências são sempre minoritárias. Mas temos que deixar de minimizar a relevância das minorias. Não há mudança sem elas: a agenda da mudança sempre começa com e por elas. A resistência à mudança (que permite desvelar muitas vezes o tal “projeto” das maiorias) se faz sempre contra elas e a repressão as mudanças que começam a acontecer tenta sempre isolar em meio ao povo que se forma em torno dessas mudanças aquele grupo que supostamente seria a única força das mudanças.

A diferença das minorias contemporâneas é que elas não são simplesmente um pequeno número. Não estão isoladas, não agem em torno de uma única pauta, não escolhem um único lugar para agir ou uma única estratégia para fazê-lo.

(3) No caso dos evangélicos, vamos olhar para o que a elite parlamentar representa — a si própria, com seu projeto de autorreprodução, e a planos de poder, como os da Iurd e das Assembleias de Deus (impossíveis de falar no singular) — mas não percamos de vista a dissidência já não tão difusa evangélica — pentecostal, evangélica tradicional, evangelical, ecumênica, ativista-social, partidária, etc.

Não há projeto construído num vácuo: a direita evangélica não é autossuficiente. Tem que fazer alianças e têm que enfrentar adversários dentro e fora de seus arraiais … e negociar. Mesmo com golpe.

Joanildo Albuquerque Burity

Mestrado em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (1989), doutorado em Ideology and Discourse Analysis (Ciência Política) pela University of Essex, Inglaterra (1995), com pós-doutorado na University of Westminster, Inglaterra (2003). É pesquisador titular, Diretor de Formação e Desenvolvimento Profissional e professor do Mestrado Profissional em Ciências Sociais para o Ensino Médio, na Fundação Joaquim Nabuco, e professor colaborador dos Programas de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

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