PEDRO CASALDÁLIGA: PASTOR PROFETA

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readAug 15, 2019

Por Valdemar Figueredo Filho

Consagrado Bispo de São Félix do Araguaia, Mato Grosso, em 1971. A atuação do Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia nada fazia lembrar um homem com sequelas do fascismo espanhol. Demarcou suas posições políticas logo de saída com a publicação de um tipo de carta de apresentação do que viria a ser o seu ministério profético. Lançou em plena ditadura militar brasileira na sua fase mais dura o documento: “Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e a marginalização social”. Explicitamente o Bispo do Araguaia estava dizendo que não ficaria neutro, tinha lado, combateria como pastor pelas suas ovelhas: posseiros, índios, peões e pobres (BOSSI, 2006, p. 9).

Na sua carta pastoral deixa explícito que recebia a consagração de bispo no ânimo do serviço. O bispado não fora confundido como título honorífico que demarcava ascensão na hierarquia da igreja, nem como distinção para o exercício do poder.

“Se a primeira missão do bispo é a de ser profeta” e “o profeta é a voz daqueles que não têm voz (card. Marty), eu não poderia, honestamente, ficar de boca calada ao receber a plenitude do serviço sacerdotal.” (CASALDÁLIGA, 1971).

Sem embargo, a visão demarcava bem mais do que os entornos geográficos do que seria a Prelazia de São Félix do Araguaia. O ser bispo implicava necessariamente em ser profeta. E o ser profeta o colocava perante uma realidade social de exploração que ele nomeia como “momento publicitário”. Essa expressão sutil queria dizer que os projetos em curso na Amazônia pelas autoridades governamentais geravam mais desigualdades e acentuavam as explorações dos recursos naturais e humanos. Como calar diante dos descalabros? Mas, como falar em um sistema totalitário?

A voz profética do Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia foi audível dentro e fora da Igreja, dentro e fora do Brasil. Apesar dos recalcitrantes na Igreja e dos latifundiários do Araguaia, apesar da ditadura militar, a voz profética foi ouvida. Profecia não reduzida a discursos. O projeto de vida assumido por Casaldáliga era em si um pronunciamento profético.

O panorama sócio-pastoral traçado por ele se constitui numa análise de conjuntura que revela estudo sistemáticos tendo por base fontes primárias. Além do aparato teórico que mobiliza, o autor revela dados sobre os sertanejos, indígenas, peões e fazendeiros latifundiários. Dados que foram colhidos na pesquisa de campo com observação participante. Enfim, Casaldáliga, além de ler a realidade, a encarnou. Não foi apenas um observador obsequioso, se fez um igual, tomou as dores, encarnou a missão.

Não quero minimizar as fortes influências sofridas pelo Bispo do Araguaia. Sabidamente foi responsivo ao espírito do Concílio do Vaticano II (1962–1965). Tornou-se uma das vozes da Teologia da Libertação. A situação política na qual estava inserido tinha semelhanças com outras realidades na América Latina. Portanto, o profeta influenciado pelos novos ares também influenciou a outros através do seu testemunho de fé e coragem.

Como singularidade, o profeta que encarnou a missão com destemor, também solfejava poesias com candura. A frase atribuída a Che Guevara retrata bem o profeta poeta que é Pedro Casaldáliga: “Endurecer, sem perder a ternura.”

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor universitário, escritor e pastor. Editor e colunista do Instituto Mosaico. Graduado em Teologia (STBSB, 1993) e em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ, 2000). Mestre em Ciência Política (UFRJ, 2002), Doutor em Ciência Política (IUPERJ, 2008) e em Teologia (PUC-RJ, 2018).

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