Podres poderes

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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2 min readAug 28, 2017

Catolicismos, casa-grande e autoritarismos

Fotografia: Felipe Menezes. Brasília, Brasil. Behance

“Será que nunca faremos senão confirmar
A incompetência da América católica
Que sempre precisará de ridículos tiranos” (“Podres poderes”, Caetano Veloso)

No último texto, tentei fazer um percurso sobre os violentos “encontros” na América que impuseram uma forma de viver trazida e reconstruída da Europa. Forma tal que incluiria também a determinação de uma educação religiosa impositiva e violenta aos povos indígenas e africanos. Tentei apontar que a construção do Estado laico seria uma concepção europeia exportada e, por isso, desconsiderou as multiplicidades religiosas americanas.

Evidentemente, não se pode negar a importância da ideia de Estado laico e seu significado, isto é, o Estado não deve ser porta-bandeira de nenhuma religião. Essa apropriação tem grande relevo, caso pensemos que a formação de alguns dos Estados europeus nos séculos XV e XVI relacionaram-se com os processos das cruzadas. Cruzadas, uma espécie de marcha para se chegar ao santo sepulcro de Cristo e, em certo sentido, um projeto missionário de converter os “infiéis”, além de toda expulsão dos “mouros” no território onde se formataria a Europa. Mas igualmente as cruzadas forjaram a nobreza católica europeia que, assim, enriqueceu e expandiu suas terras.

Assim, o projeto de expansão, a busca das índias, o renascimento e a contrarreforma marcaram um vínculo entre o catolicismo e os Estados da península ibérica, colonizadores da nossa América. E a defesa de um Estado laico, eventualmente, pode ser uma arma contra católica de afirmação de outro Estado. Mas não pensemos por agora neste artigo — por falta de espaço- a história de maneira linear. Aliás, o aprofundamento das dimensões histórica dependeria de uma metodologia que permitisse ver as fissuras, as complexidades, os arquivos.

A “fábula” vivenciada nas suas violências e recontada em meu último texto é só para relembrarmos a dimensão colonial da formação do lado sul do equador, tanto na construção da ideia de Estado, tanto na imposição de uma matriz religiosa considerada mais racional e verdadeira. Isso para questionar se deveríamos pensar as dimensões de um Estado plurirreligioso ou de um Estado laico. Afinal, qual seria a linha que divide a mística e a política? Se existe, qual pensamento que lhe forja? O nosso Ocidental? Levantar tais questões não significa a defesa de teocracias, porém a multiplicidade da vida, as multiplicidades religiosas se comunicando e sua incorporação no modo de viver das pessoas e na construção da cidade.

Grazielle Pereira, advogada e mestranda em Teoria e Filosofia do Direito, UERJ

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