Políticas Públicas: Os Descaminhos da Porta Larga

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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7 min readMay 14, 2018

Por João Felippe Cury

Foto: Villafi, Flickr

Na vida pessoal, nas empresas e organizações em geral, no setor público, todas as decisões que são tomadas acabam por definir a trajetória dos resultados que se seguirão. E não resta dúvida que alguns desses resultados demorarão a aparecer e se mostrarão positivos, mas outros podem se mostrar negativos. A rota ao longo do tempo, as conjunturas, as mudanças de curso, alguns equívocos ou acertos são elementos que acabam por definir a trajetória dos resultados.

A dinâmica acima descrita não é diferente quando se consideram as decisões de cunho político.

Em 1986, quando candidato a governador do Rio de Janeiro, Moreira Franco fez uma promessa inusitada: acabar com a violência em seis meses. O mesmo, após eleito, avançou na política de “guerra as drogas”. Ao mesmo tempo descontinuou o projeto de escolas em tempo integral. Falhou miseravelmente como representante do povo em seu mandato. Após 30 anos, a “guerra às drogas” foi ampliada exponencialmente, continua matando milhares, ampliando a sensação de insegurança de toda a população, e a educação básica pública entrou num espiral de crescente precarização. Aliás, nos debates, quando instados sobre como melhorar a educação básica, uma das poucas saídas em que há convergência é a oferta de educação integral, algo aniquilado pelo citado ex-governador.

Para certas escolhas políticas o “arroz com feijão” bem temperado é suficiente.

Ora, as decisões políticas geralmente são tomadas como respostas aos problemas postos. As possíveis soluções são concebidas, apresentadas e implementadas. Para certos problemas de natureza pública o mandatário pode deixar “tudo como está”, como se vê em muitas áreas. Geralmente o resultado é e degeneração da política pública. Raros são os casos em que é possível se deixar como está tal como no jargão “em time que se está ganhando…”. Ainda assim, alguns grupos políticos repousam num discurso conservador: “não mexam nos nossos direitos” ou ainda num discurso meramente reativo “isso é uma farsa”. Mesmo que os problemas estejam postos. E sejam gravíssimos. E que demandem soluções emergenciais.

No entanto para certas áreas da coisa pública a necessidade de tomada de decisão é necessária, algumas vezes é urgente e imperativa. Isso traz à tona a necessidade de elaborar planos que tenham efeitos no curso prazo ou de longo prazo. E aqui reside a “escolha de Sofia”: optar pela via fácil e “populista” ou optar pela via difícil, que eventualmente traga sacrifícios e seja impopular. Na sabedoria antiga da tradição cristã há uma fonte de inspiração muito útil que são as palavras de Jesus Cristo, compartilhada em seu monumental Sermão do Monte. Diz o Mestre: “Entrem pela porta estreita, pois larga é a porta e amplo o caminho que leva à perdição, e são muitos os que entram por ela. Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram” (Mateus 7: 13,14)

Evidentemente que o texto traz uma mensagem teológica que dos caminhos que levam a morte e a vida eterna. Qualquer busca por analogias ao texto bíblico pode soar despropositada, mas aqui o que se quer é tirar uma lição fundamental: há caminhos trilhados nas vidas que são à primeira vista percebidos como bons, que trazem as soluções esperadas, mas no fim não as coisas não são bem assim, e o caminho escolhido pode acabar se mostrando errado e tortuoso.

Mas a sabedoria não se esgota na passagem acima. A sequência é fundamental para o entendimento do contexto e sugerir uma analogia adicional. Em Mateus 7: 15–18, Jesus adverte: “Cuidado com os falsos profetas. Eles vêm a vocês vestidos de peles de ovelhas, mas por dentro são lobos devoradores. Vocês os reconhecerão por seus frutos. Pode alguém colher uvas de um espinheiro ou figos de ervas daninhas? Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons, mas a árvore ruim dá frutos ruins. A árvore boa não pode dar frutos ruins, nem a árvore ruim pode dar frutos bons”.

A passagem fala dos falsos profetas como de lobos disfarçados em vestes de ovelhas. Com isso, realidade e aparência, o que se vê e o que está por dentro, estão em contraste. A analogia com a classe política é direta. E é difícil não aplicar a analogia ao governador citado no inicio do texto. Ele estava lá há 30 anos e está hoje como figura importante no processo de intervenção federal no Rio de Janeiro.

A sabedoria reside em desconfiar dos caminhos fáceis, contidos na porta larga. É recomendável desconfiar de “soluções” apresentadas para problemas complexos e multidimensionais. E também desconfiar de “não soluções”, repousadas em discursos conservadores com bordões como “não mexam nos nossos direitos”, “tal política ou tal reforma é uma farsa”. Ë preciso também desconfiar das narrativas de terror “ou reforma logo, ou quebra”.

Há dois temas de urgência nacional, ambos que tratam de questões estruturais e com impactos de curto e longo prazo. São temas que precisam ser pautados de maneira muito contundente no debate político e eleitoral do país nos próximos meses. O desafio de pauta-los de maneira madura e republicana é enorme.

A Segurança Pública, um tema tão caro à parcela do eleitorado da direita, vem sendo tripudiada pela ausência de resultados por uma política celebrada por seus seguidores: a guerra às drogas e a repressão. O saldo é desanimador. Dezenas de milhares de mortos nas últimas décadas. E uma sensação de insegurança crescente. No limite, quando as alternativas são postas, para alguns tudo acaba se resumindo ao discurso de “defensores de bandidos”. A rigor, o que os setores mais à esquerda defendem é uma fórmula geralmente exitosa quando testada: segurança pública cidadã, cujos elementos basilares são a articulação, inteligência, transparência e participação social. Trata-se de um movimento estrutural, pois requer vultosos investimentos que propiciem a chegada de políticas públicas nas áreas conflagradas. Menos repressão, mais politica pública. Uma fórmula de longo prazo. Uma analogia possível: porta estreita.

Infelizmente nesse caso não há pontes no debate sobre segurança pública. Não há debate, sim embate e polarização. O mesmo se dá no campo econômico, notadamente no campo do debate acerca da necessidade das reformas econômicas. Algumas delas, como no caso da Previdência Social, são reformas estruturais, com impactos inter geracionais.

A Previdência Social, um tema historicamente associado às esquerdas e ao pensamento socialdemocrata, é refém de uma narrativa paralisante e reacionária da esquerda brasileira. Justamente a Previdência, um locus fundamental para a redução das desigualdades sociais é, na realidade, um dos maiores vetores de manutenção e aumento de desigualdade. E à esquerda só o resta o bordão “não mexam nos nossos direitos!”. Nesse caso, parcela da direita reformista brasileira é que tem se apropriado da narrativa de reformar a previdência para reduzir as desigualdades. Justamente a flexibilização de direitos das classes mais ricas e privilegiadas do funcionalismo público (particularmente do Judiciário e do Legislativo) é que seria um caminho de redução de desigualdades ao longo do tempo.

Aparentemente em ambos os casos a “porta larga” esteja prevalecendo e as políticas públicas venham falhando sistematicamente. Talvez seja pelo fato de que a política institucional esteja infestada por lobos e os frutos sejam os piores possíveis. Sejam lá quais forem as respostas nos dois temas citados a sociedade brasileira vem falhando miseravelmente. Uma triste ausência de debate e, mais que isso, de postura política madura e qualificada para lidar com esses dois temas fundamentais para quaisquer candidaturas ao Legislativo e ao Executivo em 2018. Com efeito, é preciso lutar para que se pautem tais temas de maneira a superar as barreiras ideológicas paralisantes que há por trás da discussão dos mesmos.

Talvez o primeiro passo seja reconhecer a incoerência em relação aos valores que defendidos como bandeiras.

O que sabemos? Que políticas públicas exitosas são forjadas para terem resultados no LONGO PRAZO. Elas dependem de investimentos estruturais, erros, correção dos erros, sinergias, interações, controle de resultados, ajustes, dentre outros elementos fundamentais para o ciclo das políticas públicas. Invariavelmente soluções intempestivas para darem respostas imediatas de CURTO PRAZO ou são ruins, ou populistas, ou simplesmente desesperadas.

É muito difícil perder direitos, privilégios. É muito difícil ir contra o senso comum, contras os dogmas pessoais. É muito difícil pensar em primeiro lugar no outro, e não em si próprio. Nada é trivial na hora de fazermos escolhas. No caso do país também não. Para se olhar para o Brasil do futuro é fundamental tomar decisões estruturantes no Brasil do presente. Nem que seja abrir mão de algumas convicções e cortar na própria carne. Caso contrário a história se repetirá como tragédia. Os descaminhos da porta larga continuarão a tornar a vida da sociedade brasileira mais difícil e o país continuará entregue na mão dos lobos em pele de cordeiro.

Entremos pela porta estreita!

João Felippe Cury Marinho Mathias. Economista (UFRJ), mestre em economia (UNICAMP) e doutor em Economia (UFRJ). É professor associado do Instituto de Economia da UFRJ. Possui pesquisas e interesse em Sustentabilidade, Desenvolvimento Econômico, Contas Nacionais e Distribuição e Desigualdade de Renda.

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