PROFECIA COMO CONTEMPLAÇÃO

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
Published in
3 min readAug 24, 2019

Por Valdemar Figueredo

Foto: Skeeze, Canva

Quando falamos de profecia, geralmente pensamos sobre a fascinação de antecipar as coisas futuras. Agouro. Predição. Presságio. Algo como desembrulho dos mistérios ocultos.

Somente uma mentalidade excepcional para conectar-se com o transcendente e antecipar a história, acham alguns. Nessa visão pitoresca, profeta é aquele que entende a cabeça de Deus.

Na leitura do livro de Isaías, aprendemos que profecia é memória. Capacidade de lembrar e interpretar os fatos. Ajustes de contas. A linha do tempo não pode ser desprezada, ainda que nos vejamos na ponta. Por que escolhemos esta direção e não outra?

O livro de Isaías é oportuno para dizer-nos que profecia é também contemplação. A figura do profeta é relacionada ao herói mítico que destemido atua para mudar realidades. Ação profética seria contestadora dos poderes religiosos e políticos estabelecidos. O profeta como uma figura combativa que encontra forças excepcionais para balançar as estruturas sociais. Mas precisamos recuperar a dimensão contemplativa dos profetas.

Falavam com muita coragem mesmo contrariando os projetos dos poderosos e os desejos imediatos do povo, porém, antes estiveram silenciosos por dias prestando atenção nos mínimos detalhes revelados.

Silêncio. Respiração calma. Passos cadenciados.

Vivemos um tempo de saturação da palavra. Fala-se muito sobre quase tudo. A maior parte das coisas que temos ouvido é dispensável. O mundo é prolixo. A revolução das comunicações trouxe consigo a banalização da palavra e a saturação da imagem.

Emprega-se o nome “Deus” para as mais estranhas apostas, sem que a essência seja levada em conta. O vocábulo “Deus” é tão elástico quanto impreciso, tão eclético quanto confuso.

Uma “imagem” de Deus vale mais do que mil palavras. Então podemos concluir que muito se fala Dele porque pouco se faz a experiência de contemplá-lo?

Atordoados tentando acompanhar as velozes imagens. Vê-se muita coisa por pouco tempo. Olhar fixo sobre uma mesma paisagem ou sobre uma mesma pessoa soa como desperdício de oportunidades. A vida passa na tela e só os velozes conseguem acompanhá-la, supõe-se.

O profeta aguça a audição e educa o olhar.

Estímulos em doses fortes para mexer com as emoções. Para merecer atenção necessita ser embalado na roupagem do espetáculo. Hoje em todas as dimensões há espetacularização da vida, inclusive nas expressões religiosas. Procuram sensações novas para sair dos lugares comuns.

Na leitura de Isaías 6, aprendemos a apreciar profecia não como frenética falação espetaculosa, mas como silêncio calmo.

Olhar sem afobação. Sentidos em floração. Tranquilidade.

Contemplativo, não para saber primeiro e depois sair correndo para contar tudo a todos. Todavia, como atividade do espírito que tem sentido nela mesma.

Antes de uma grande missão, Isaías teve uma grande visão: “Eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono”.

Thomas Merton cita os índios norte-americanos Sioux para falar a respeito da busca de uma visão. Em tempos remotos homens das tribos subiam as montanhas depois de participarem de suas cerimônias religiosas. Riscavam uma grande cruz no chão. Caminhavam várias vezes sobre ela. Em dado momento davam o “grito por uma visão”. A busca era pela voz de Deus. Antes das grandes batalhas e saídas para as caçadas perigosas os guerreiros de Sioux dedicavam-se à contemplação.[1]

Temos nos esforçado para sermos rápidos e conseguirmos dar conta de tudo. A vida demanda. O desafio é conseguir desacelerar para aprofundar. Bem-aventurados os contemplativos, pois eles verão a Deus.

[1] [1]MERTON, Thomas. Princípios básicos da espiritualidade monástica. Belo Horizonte: Editora Itatiaia,1962, p.57.

Valdemar Figueredo (Dema)

Professor universitário, escritor e pastor. Editor e colunista do Instituto Mosaico. Graduado em Teologia (STBSB, 1993) e em Ciências Sociais (IFCS-UFRJ, 2000). Mestre em Ciência Política (UFRJ, 2002), Doutor em Ciência Política (IUPERJ, 2008) e em Teologia (PUC-RJ, 2018).

www.institutomosaico.com.br

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