QUANDO O PRÓPRIO POVO É O INIMIGO

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
Published in
3 min readJun 25, 2018

Por Fernando Almeida

Foto: Antonio Scorza

Em fevereiro último, mais uma autoridade do governo Temer, o ministro da Justiça, fez uma declaração que provocou perplexidade e indignação. Cabe lembrar que este senhor começou na política no governo Médici, o mais repressor de nossa história, como assessor do MEC (1972/73), depois, da Siderurgia Brasileira S.A. (1973/74), do Ministério da Indústria e Comércio (1974/75) e do STF (1975/78), secretário-geral da presidência do TSE (1979/80), assessor da Secretaria de Cooperação Econômica e Técnica Internacional (1980/81) e da chefia do Gabinete Civil da Presidência (1981–1985), e consultor jurídico adjunto da Secretaria de Planejamento da Presidência (1985/86). Terminou mestrado em Direito pela Universidade de Michigan, ingressando em 1977 como professor da Universidade de Brasília. Coerente com uma situação em que o estado de exceção se alastra, disse o ministro, sr. Torquato Jardim:

“Se está lá com PM, Polícia Civil e Forças Armadas, se passar um guri de quinze anos de idade, você vê a foto dele, já matou quatro, entrou e saiu do centro de recuperação, a uma dúzia de vezes, e está ali com um fuzil exclusivo das Forças Armadas, você vai fazer o quê? Prende. O guri vai lá e sai, na quarta ou quinta vez que você vê o fulano, vai fazer o quê? Você tem uma reação humana aí que deve ser muito bem trabalhada psicologicamente, emocionalmente, no PM ou no soldado. Você está no posto, mirando a distância, na alça de mira aquele guri que já saiu quatro, cinco vezes, está com a arma e já matou uns quatro. E agora? Tem que esperar ele pegar a arma para prender em flagrante ou elimino a distância? Ele é um cidadão sob suspeita porque não está praticando o ato naquele momento ou é um combatente inimigo? Os EUA enfrentaram esse tema como um inimigo combatente. É a noção de guerra assimétrica, estamos vivendo uma guerra simétrica. Você não sabe nem quais são os recursos necessários, não sabe quantos são necessários e usando qual arma. Quantos eu preciso para a Rocinha? Não sei. Como você vai prevenir aquela multidão entrando e saindo de todas as 700 favelas? Tem 1,1 milhão de cariocas morando em zonas de favelas, de perigo. Desse 1,1 milhão, como saber quem é do seu time e quem é contra? Não sabe. Você vê uma criança bonitinha, de 12 anos de idade, entrando em uma escola pública, não sabe o que ela vai fazer depois da escola. É muito complicado”.

Foto: Sérgio Lima e Débora Bergamasco

Esta declaração não pode ser esquecida. Em 21 de junho, o estudante Marcus Vinícius, de 14 anos, uniformizado e indo para a escola, foi assassinado por um tiro nas costas, durante uma operação da polícia no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Pouco antes de morrer, o menino declarou que o tiro veio de um blindado da polícia.

Esse senhor não sabe que não estamos vivendo guerra nenhuma, e que os EUA lutaram em país estrangeiro, como invasores, contra um exército de libertação nacional, de outra cultura, a milhares de quilômetros de sua capital. Se ele acredita que o povo brasileiro é o inimigo combatente, é outra história.

Fernando Roberto de Freitas Almeida, carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF)

--

--