QUARENTA ANOS EM DOIS, PARA TRÁS

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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3 min readJun 1, 2018

Por Fernando Almeida

Foto:Gabriel de Paiva / Agência O Globo. Danielle Nascimento, porta-bandeira da Paraíso do Tuiuti, se emociona pouco antes de entrar na Passarela do Samba

Em 13 de maio de 1888, uma princesa católica transmontana, que conversava com seu pai sobre como seria um Terceiro Império, assinou uma lei, cujos efeitos foram e são objeto de estudos em diversos campos do conhecimento. Isabel não era a favor da escravidão, bem ao contrário, e chegou a ajudar quilombos, como um que existia no Leblon. Considerado o primeiro quilombo abolicionista brasileiro, ela o protegia e dele recebia camélias, flores símbolos da luta contra o escravismo, como presente. Se a Lei Áurea não indenizou os proprietários dos escravos, também nada fez em favor das pessoas que saíram das fazendas. No setor mais rico da economia brasileira, a cafeicultura, a parte fluminense do Vale do Paraíba ainda utilizava esta força de trabalho compulsória e sabemos da gravidade da situação que se irradiou dali.

Passados 130 anos, é difícil continuar aceitando as comemorações dessa data.

Hoje, sete em cada dez pessoas assassinadas no Brasil são negras. Há 23,5% a mais de chance de um negro ser assassinado do que um branco. Os negros ganham 56% menos do que os brancos, em média. Apenas 4,7% dos cargos executivos de empresas são ocupados por negros, e 6,3% de gerência. Para as mulheres negras, os números são respectivamente de 0,4% e 1,6%. A cada cem mulheres que dão à luz, 16% das brancas não recebem anestesia e, das negras, 23%. A taxa de analfabetismo dos negros e de 11,2% e dos brancos é de 5%. O ensino de Matemática ao fim do Ensino Médio é adequado para 15,1% dos brancos, 5,8% dos pardos e 4,3% dos negros. Em 2010, o IDH dos negros era 0,657 e o dos brancos era 0,777.

Não cabe mais culpar o colonizador por esse desastre. Ele não é responsável desde 1822 e, da Lei até agora, houve tempo de sobra para não haver números tão abjetos.

Só em finais do século XX e início do XXI, de fato, a partir de 2003, executaram-se políticas compensatórias que, em pouco tempo, atenderam demandas reprimidas, permitiram avanços consideráveis. Logo se percebeu até aumento da altura média de crianças pobres, no Nordeste, apenas porque o Programa Bolsa Família assegurou merenda a crianças que sempre haviam sido subalimentadas. Quotas para cursos superiores, levando a que pela primeira vez, em séculos, jovens negros e mestiços levassem para casa seus diplomas e melhores oportunidades de emprego.

Em pouco tempo, avançava-se em várias frentes: saúde, alimentação, moradia, redução de mortes no nascimento, cultura, em todas as suas formas, mobilidades social e territorial… Claro que todos os interessados no progresso real começaram a ver as manifestações do lado arcaico do país: um conservadorismo estrutural arraigado. Tão obsoleto que se manifesta em termos pré-capitalistas, não apenas por não perceber como a economia de mercado se beneficiava com esse processo virtuoso, mas também por mostrar a todo o momento saudades dos tempos em que pobres e negros conheciam seu lugar na sociedade.

Os novos indicadores sociais mostram todo o retrocesso, de quarenta anos em dois.

Fernando Roberto de Freitas Almeida, carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF)

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