Quase uma boa pessoa

Redação — Mosaico
Instituto Mosaico
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2 min readFeb 23, 2018

Por Marcelo Santos

Eu sempre fui a pessoa que abre a porta. Que dá passagem. O que oferece o empréstimo e escuta o desabafo. Eu sempre fui o que espera o outro chegar. O que entende e pacientemente perdoa. O que distribui o alimento. Que visita o triste e o enlutado. Que ajuda a descarregar o porta malas com roupas e mantimentos na casa do pobre. O que participa do mutirão no feriado. Eu sempre fui quase uma boa pessoa.

Durante todo esse tempo em que eu me gastei visitando o doente, me encurvando para ajudar o outro a se levantar e cedendo meu assento, mesmo não sendo reservado, no ônibus, não percebi o tamanho da minha hipocrisia. Eu me achava tão gente de bem.

Porém, quando o mundo girou, quando a força enfraqueceu, quando o dinheiro sumiu e a saúde reclamou, eu vi a face feia do meu orgulho. Senti a estocada quando o telefone tocou e um desconhecido me ofereceu ajuda. Senti quando um amigo me ofereceu um empréstimo e quando quiseram cuidar de mim.

Eu, quase uma boa pessoa, percebi que era na verdade um sujeito vaidoso e que se achava melhor que os demais. Entendi que aceitar o cuidado era mais difícil do que cuidar. Que ser amado e aceitar esse amor é ainda mais complexo do que amar e doar amor. Isso revela muito mais sobre minha tinhosa natureza humana. Quando me compreenderam, desculparam, esperaram sem me condenar e me deram outra chance, eu me vi devedor da bondade e paciência alheia. Percebi que vivia a contraprova da vida. Eu era o ‘jovem rico’ das Escrituras que fazia quase tudo. O decente irmão do filho pródigo. Mas era preciso entender que, como canta Herbert Vianna, dos Paralamas do Sucesso, ‘saber amar é saber deixar alguém te amar’. E aceitar o amor e a bondade, pra um coração orgulhoso, não é das tarefas mais simples assim.

Marcelo Santos é jornalista e escritor. Escreveu para as principais publicações evangélicas brasileiras. Atualmente trabalha como ghostwriter e escreve reportagens para publicações do SESC e da Rede Brasil Atual. É pai de Guilherme, Caio e Gustavo.

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