Religiosos contra temer no congresso nacional

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
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4 min readAug 22, 2017

Mas como teriam votado estes políticos religiosos no dia 02 de agosto de 2017?

Fotografia: Autor não identificado. Publicada em 3 de agosto de 2017. Br.blastingnews.com. Maioria da Bancada Evangélica vota a favor de Michel Temer

Em 02 de agosto de 2017 a nação acompanhava boquiaberta ao desenrolar das negociações no Congresso Nacional. Era o dia de votação pela aprovação ou não do relatório do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) sobre a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) contra o presidente Michel Temer (PMDB) por corrupção passiva. Às 21h 52m a sessão foi encerrada e o relatório que era favorável a Temer saiu vitorioso: foram 263 votos a favor do relatório e 277 contrários. Houve 19 ausências e 2 abstenções.

O relatório de Paulo Abi-Ackel, amigo do senador Aécio Neves (PSDB/MG) e filho de Ibrahim Abi-Ackel, então ministro da Justiça durante a Ditadura Militar, não refletia o desejo da população. Somente 5% dos brasileiros aprovam a gestão de Michel Temer. A insatisfação se revelava em estatísticas e nas ruas com manifestações que se espalharam pelo país. Mas a crise da representação, alvo importante da reflexão de cientistas políticos no Brasil e no exterior, mostrou sua face dolorosa: ao não nos sentirmos representados por este Congresso o sentimento de impotência e apatia tende a aumentar. Talvez o corolário mais negativo disso seja que mais poderosos vão ficando os (não) representantes da nação.

Como vimos nas últimas eleições presidenciais — e analisamos em nossa publicação recém lançada Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014 -, atordoamentos e medos viram sentimentos públicos partilhados. Estes passam a ser alvo de disputa de diferentes grupos que pretendem conduzir processos ou barrar-lhes o avanço. Especialmente em algumas temáticas vimos acompanhando como políticos religiosos no Congresso Nacional têm assumido protagonismo como na questão das políticas públicas voltadas à população LGBT e às mulheres, a questão das células tronco embrionárias e na formulação da Base Comum Curricular.

Mas como teriam votado estes políticos religiosos no dia 02 de agosto de 2017? São três as frentes religiosas no Congresso hoje: a de terreiros, a católica e a evangélica. A FPT votou integralmente contra o relatório de Paulo Abi-Ackel, logo, posicionaram-se contra a manutenção de Temer como presidente da República. Sendo os integrantes desta frente todos de partidos de oposição ao governo, este resultado não nos surpreende.

O presidente da FPC votou contra o parecer, assim como um importante líder carismático ativo na frente, o deputado federal Eros Biondini (PROS/MG), e o deputado federal Padre João (PT/MG).

O acompanhamento do comportamento político da FPE desde 2010 e, sobretudo, a partir do protagonismo que líderes evangélicos assumiram nos episódios que culminaram com o impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff nos levava a concluir que os deputados evangélicos votariam pela manutenção de Temer. Mas a roda da história sempre veloz nos apresentaria números que viram a surpreender aos que esperam dos evangélicos no congresso um posicionamento homogêneo e sempre “afinado com a direita”. Com base nos nomes cedidos pela secretaria da FPE, conferi quantos foram os seus integrantes que votaram contra e a favor do relatório.

Dos 80 deputados, 30 votaram contra, 10 estavam licenciados para exercício de cargo executivo como prefeitos, afastados por questões judiciais ou se abstiveram. O restante votou a favor. Dentre os que votaram contra o relatório havia os deputados Jair Bolsonaro (PSC/RJ), Eduardo Bolsonaro (PSC/SP), Arolde de Oliveira (PSC/RJ), Sóstenes Cavalcanti (DEM/RJ). Entre os que votaram favoravelmente a Temer estavam os deputados Takayama (PSC/PR, presidente da FPE) e João Campos (PRB/GO, ex-presidente da FPE), Ezequiel Teixeira (PTN/RJ, polêmico ex-secretário de Direitos Humanos do Rio de Janeiro) e Marcos Soares (DEM/RJ, filho do missionário RR Soares).

O que isso nos revelaria? Dentre as inúmeras possibilidades destacaríamos, em primeiro lugar, uma evidência empírica, mas que a mídia pouco explora. Ela diz respeito a não homogeneidade da FPE quanto ao posicionamento político de seus integrantes. Em alguns temas há uma unidade maior, correspondendo à comunicação e interação com suas bases religiosas, mas, em diferentes outros temas, como também mostramos no livro, há grande divergência entre parlamentares e da maioria deles em relação à base.

Ou seja, é preciso pensar em situação para sermos responsáveis sobre o que falamos a respeito do comportamento de evangélicos no Congresso Nacional. Outro ponto a motivar os posicionamentos de parlamentares tem relação com cálculos políticos com vistas às eleições 2018. Embora Caio Fábio (escritor, psicanalista e ex-pastor presbiteriano) tenha dito em entrevista que estar ligado a desvio de dinheiro e corrupção seja menos grave no meio evangélico do que ser adúltero, salta aos olhos que o parlamentar que visa concorrer as eleições presidenciais em 2018 com apoio da FPE tenha votado contra o presidente e a favor das expectativas populares.

O acompanhamento das situações nos revelarão outros propósitos. É preciso ampliar nossa escuta. Ela, sempre uma disponibilidade emocional, psicológica, política e mesmo afetiva em relação ao outro. Nas pesquisas, como na vida, é importante ampliá-la na perspectiva de potencializar nossa capacidade de compreender a vida social sempre variável, mutante.

Christina Vital da Cunha. Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Professora do Departamento de Sociologia da Universidade Federal Fluminense. Autora dos livros: VITAL DA CUNHA, Christina. Oração de traficante: uma etnografia. Rio de Janeiro: GARAMOND, 2015; VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES, P. V. L. Religião e Política: uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direitos das mulheres e de LGBTs no Brasil. Rio de Janeiro: Gráfica Minister, 2012.

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