SE É PARA SER PÁRIA, SEJAMOS

Redação — Instituto Mosaico
Instituto Mosaico
Published in
3 min readOct 30, 2020

Fernando Roberto de Freitas Almeida

O CHANCELER DO GOVERNO BOLSONARO, ERNESTO ARAÚJO (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Em julho, publiquei aqui o texto “Projeto de ser pária”, comentando possíveis novos problemas a serem enfrentados pelo governo brasileiro (e, pela gravidade do assunto, pela sociedade também), em caso de vitória do candidato democrata nos EUA. É uma questão fundamental no momento. Evidentemente, os democratas trarão de volta uma política externa em que questões ambientais e de Direitos Humanos serão levadas em conta no relacionamento bilateral.

O governo Bolsonaro perderá um suporte propagandístico para sua agenda de devastação, mas tudo indica que, por si mesmo, a propensão a mudar não será grande. O bloco que chegou ao poder em 2018 é povoado por negacionistas de todas as ordens, e os mais radicais compõem o núcleo de apoio imutável ao presidente Ele sempre priorizará os contatos com eles e sua visão de mundo conservadora — reacionária — é a mesma deles. A política interna dita a política externa e esta define a diplomacia de um país. Atritos com os EUA, no momento, não são imagináveis, sob os republicanos, mas mudanças em Washington poderiam promover uma atenuação dos discursos dos governantes brasileiros pró destruição da natureza, não as práticas em si, inerentes ao modo de pensar ultraliberal que se estabeleceu aqui.

Um ponto relevante na questão do posicionamento brasileiro atual no sistema internacional é o realinhamento aos EUA, como comentado em julho. Contudo, é um realinhamento diferente dos anteriores, ambos protagonizados por dois marechais. O primeiro deles, Eurico Gaspar Dutra, que governou de 1946 a 1950, acompanhou o início da Guerra Fria, que cindiu o mundo nas influências de dois blocos, um de países de economia de mercado e outro de países de economia planificada. O segundo, do marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, governante entre 1964 e 1967, já estava situado num mundo em que o grande risco de uma terceira guerra mundial acabara há pouco (a crise dos mísseis, em Cuba), mas os militares brasileiros acreditavam precisavam proteger o país da influência soviética, ateia e antiliberal. Preferiam anunciar a adesão a um “guarda-chuva” de segurança estratégica, ditada pelos governos em Washington.

A URSS não existe mais, e o capitalismo aprendeu que não existem mercados totalmente livres, sem nenhum tipo de intervenção estatal (e a atual pandemia vem lembrar muito bem desta questão). Não havendo mais aquele modelo de economia planificada como possível modelo, a proposta conservadora vencedora, no Brasil, em 2018, fabrica um inimigo chinês, à guisa de fantasma de um comunismo redivivo, e atua de modo que pode ser bastante prejudicial aos interesses do país.

Uma diferença fundamental é típica destes tempos difíceis: o presidente brasileiro não necessariamente é admirador das instituições estadunidenses que, certamente, ele desconhece. Tão somente declara-se obcecado pelo presidente daquele país e, desta forma, modula nossa política externa. Complicando ainda mais, para o chanceler, se é para ser pária, que o sejamos mesmo.

Fernando Roberto de Freitas Almeida

Carioca, economista e historiador, professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF). Coordenador do curso de Relações Internacionais

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